Nada me ajudou tanto a superar os momentos difíceis como os bons livros, escreveu Mario Vargas Llosa. Sinto muito quando encontro alguém que não gosta de leituras. Elas só trazem prazer e felicidade. Muitas vezes — isso já me aconteceu mais de uma vez, pode acreditar — uma simples frase de um livro me dá oportunidade para escrever um artigo. É Vargas Llosa quem continua,assertivando: um bom leitor é cidadão ideal de uma sociedade democrática: nunca se conforma com aquilo que tem, sempre aspira a mais ou a coisas diferentes das que lhe são oferecidas. Sem esses anticonformistas seria impossível o progresso verdadeiro, o que além de enriquecer a vida material aumenta a liberdade e o leque de escolhas para adequar a própria vida aos sonhos, desejos e ilusões.
Num livro tudo é importante: as notas de rodapé, a bibliografia, o preâmbulo, tradutores, até a editora. Vejo e leio tudo, não me escapa nada. Só para comprovar essa afirmação, embora sem fornecer o nome do livro, vamos comentar sobre o preâmbulo de um dos muitos que tive a oportunidade e o prazer de ler. O autor começa dizendo que se valeu dessa nova edição para atender a algumas críticas. Note que, já no prefácio, ele quer mostrar como uma crítica pode ou não ser útil. Também admite sem acrimônia que esteja repetindo neste livro coisas já ditas em outro, mas, justifica, afirmando que pelo fato de um assunto se lhe mostrar plausível para dizer várias coisas que ele queria muitíssimo dizer, ele as dirá, embora de maneira repetida. "Pareceria bastante natural repetir de modo mais ou menos completo aquilo que eu bem sabia haver dito em mais de um livro." Ele está justificando críticas recebidas por outros autores, por ter repetido certos fatos importantes, já que há coisas que, por sua importância e expressividade merecem ser ditas mais de uma vez.
Há livros com exórdios tão valiosos que chegam a valer pelo todo. Pelo exórdio já sabemos que lucraremos ou não com a leitura da obra em si. Para Vargas Llosa nada supera A Condição Humana de Malraux, com a exceção de Montanha Mágica de Thomas Mann. Outra leitura para ele muito importante é a de Ulisses de James Joyce, livro que ele só conseguiu decifrar após a leitura pela terceira vez. Trata-se mesmo de obra dificílima de um valor discutível nos meios acadêmicos. Virginia Wolf mesmo chegou a afirmar não ter apreciado a leitura dessa obra, enquanto que outros pensadores fazem dela a obra máxima.
As boas leituras ensinam a falar bem, a pensar com audácia, a fantasiar e criam cidadãos cuidadosos que sabem peneirar as inverdades oficiais dessa arte suprema de mentir que é a política. A vida que não vivemos podemos sonhá-la. Ler bons livros é uma forma diferente de viver, mais bela, mais solta, mais livre, mais autêntica. Muitas vezes, ao viajar para outro país, visitar uma cidade não percebemos coisas in loco que a leitura nos explica e esclarece. Essa vida alternativa livra-nos do alcance de pessoas demoníacas capazes de influenciar-nos com ideias difíceis de derrotar.
Você leu ou ouviu falar de O Avesso e o Direito de Albert Camus? Condições humanas, lugares. É disto que o jovem Camus fala neste pequeno livro. A situação humana se revela em alguns poucos personagens. Os lugares: Praga, Palma, Ibiza, etc. servem de cenário para uma autoinvestigação onde até mesmo o tédio tem significação: "Todo país onde não me entedio é um país que nada me ensina." É belo, instrutivo, ensina a enxergar o desconhecido com os outros olhos. Ensina a ver o avesso e o direito das coisas. Não é difícil achar-se numa cidade, o difícil é perder-se nela — e é isso que importa. Camus vagueia pelas ruas, sente cheiros, ouve melodias e pergunta-se: "Que significa isso?" Tal indagação tem duplo sentido: ele interroga-se a si mesmo e interroga o leitor. O livro envolve perguntas e respostas. É uma excelente leitura que leva o leitor a refletir e a enxergar coisas ocultas. Tanto as perguntas como as respostas marcam o talento e a sabedoria presentes nesse escritor considerado um dos gênios do nosso tempo. Uma leitura que só agrega, só engrandece, só acrescenta.
Pois, é. É para isso que lemos. Para crescer, para alcançar a liberdade. Quem não sabe o que procura não vê o que encontra.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP