VERDADE E MENTIRA

Por Jornal Cidade de Agudos em 13/08/2022 às 10:12:48

Quatro respeitados intelectuais brasileiros reuniram-se e escreveram um livrinho com o título acima, a fim de debater as fricções que envolvem a relação entre a ética e a democracia, colocando em xeque as verdades e as mentiras que compõem o universo político nacional. Com opiniões às vezes divergentes, mas que se complementam, eles discutem o que define um governo democrático e o quanto ele é reflexo de nosso posicionamento como cidadão.

Os autores --- Mario Sergio Cortella , Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Gilberto Dimenstein --- trazem à conversa temas que tratam de práticas e dilemas da vida pública e mostram que mesmo nos cenários de crise há motivos para acreditar no exercício de uma democracia que tenha o coletivo como bem maior.

Vamos expor algumas das muitas questões debatidas, deixando claro que o leitor não estará sendo pressionado --- pelo menos não de nossa parte --- a comungar com a posição dos autores.

Uma questão é a que diz que todo político mente. Mas um político que fala a verdade consegue se eleger? A ética da política, então é diferente da do cidadão? Para Pondé, a mentira é um hábito. A ideia de que os políticos falem a verdade sempre é uma ilusão; às vezes, é até falta de educação falar a verdade. Se alguém fala a verdade o tempo todo é insuportável e não é capaz de fazer acordos. Os políticos mentem de forma profissional, nós mentimos de forma carinhosa, afetiva. Cortella admite a mentira como possibilidade; podemos dar a isso vários nomes: adiamento da verdade, suspensão temporária... pode-se adiar a verdade em nome de alguma coisa maior.

Em vista disso, Dimenstein pergunta: a verdade é tão relativa assim? Ao que Karnal responde: esse é um debate que existe desde os pré-socráticos. O modelo da verdade no mundo ocidental, que é Jesus, disse a verdade por três anos e foi crucificado. Mas, quando Pilatos lhe pergunta o que é a verdade, Jesus não responde. É a única pergunta que Jesus não responde e que talvez nos desobrigue de respondê-la.

É ainda Karnal quem alude à célebre frase sobre o brasileiro como um "homem cordial" de autoria de Sérgio Buarque, que destacou que o brasileiro funciona pelo coração, sendo impulsivo, afetivo até quando mata.

Mas, somos dados à hermenêutica, interpretamos regras. O brasileiro acrescenta incisos, adiciona artigo às regras, separamos o significado do significante. Nossa hermenêutica é tupiniquim. Toda regra precisa ser interpretada pelo brasileiro e isso torna a fala muito distante da ação. Na nossa história, o poder está em quem dá a palavra final naquela interpretação.

Outro assunto interessante é sobre corrupção e ética. Achamos argumentos, diz Pondé, para julgar quem acreditamos mesmo que ele e o partido estejam enterrados em corrupção. Se não acreditamos alguém como corrupto, encontramos argumentos para defendê-lo. Se a pessoa é a favor do Lula, seja lá o que lhe aconteça, vai reclamar: "Isso é golpe, é truque classista, é um jogo." A reação das pessoas é quase sempre circunstancial.

O pequeno livro analisa e comenta uma série de temas controversos que, muitas vezes, nos deixa numa situação que parece não ter saída. Cortella admite que, durante muito tempo, fomos um país católico que tinha no papa aquele que dizia a última palavra. Não havia possibilidade de interpretação. Nessa perspectiva, a América Latina é toda monarquista se lembrarmos dos grandes líderes, a começar por Bolívar. Muito mais que um líder revolucionário, ele poderia ser consagrado como um príncipe, alguém que possa encarnar a salvação. Lula e Getúlio, por exemplo, souberam muito bem representar esse papel. Um dos grandes defeitos de Dilma é o mesmo do papa Bento XVI: ausência de iluminação, de brilho.

Bem, são tantas as situações complexas, de difíceis soluções, que põem nosso juízo a funcionar. Por isso, apesar de o livro ser um opúsculo, eu o recomendaria às pessoas interessadas por alguns problemas deste país. Poderia ser uma excelente fonte de consulta. São apenas 128 páginas de leitura instigante e de bons argumentos.

Dra. Maria da Glória De Rosa

Pedagoga, Jornalista, Advogada

Profª. assistente doutora aposentada da UNESP

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