Num livro que acabei de ler recentemente existe uma história infantil de que gostei muito. É uma fábula muito simples, pelo menos à primeira vista. Ela trata de um garotinho que, sentado em sua cama, certa manhã, observa um dragão. Ele é do tamanho de um gato. Ele conta para sua mãe, mas ela diz que dragões não existem. Então, ele começa a crescer. Ele come todas as panquecas do menino e logo passa a ocupar a casa toda. A mãe tenta passar o aspirador, mas ela precisa entrar e sair da casa pelas janelas porque o dragão está por toda parte. Então, o dragão foge, arrastando a casa inteira. O pai do garoto chega à casa e só há um espaço vazio. Ele encontra a mulher e o filho. A mãe ainda insiste que dragões não existem. Mas, o filho insiste: "Tem um dragão, mamãe." Instantaneamente ele começa a encolher e logo está do tamanho de um gatinho novamente. Todos concordam que dragões daquele tamanho existiam e são muito melhores do que seus colegas gigantescos. A mãe, de olhos arregalados, pergunta lastimosa porque ele cresceu tanto. O menino fala: "Talvez ele quisesse ser notado."
Talvez. Essa é a moral de muitas histórias. Vamos tentar ler nas entrelinhas da fábula. O caos emerge numa casa pouco a pouco. Felicidade e ressentimento mútuo se acumulam e tudo que é desordenado é jogado para baixo do tapete, onde o dragão se alimenta de migalhas. Ninguém diz nada, enquanto a ordem da casa se desintegra. Todos fingem que nada está acontecendo. A convivência exigiria admitir que lá dentro existem emoções terríveis, ressentimentos, medo, desespero, frustrações, inveja, ódio, tédio, solidão. Mas, na casa do menino e em outras casas, o dragão cresce. Um dia ele toma proporções que não dá mais para ignorar. Ele levanta a casa de suas fundações. E, assim, isso se torna um caso emocional de proporções econômicas e psicológicas devastadoras. Então, ele passa a ser a versão concentrada de décadas de amargura, de problemas, de desentendimentos que foram escondidos, desprezados, como um exército de esqueletos escondidos num armário. Durante todo esse tempo, naquela casa subestimou-se o pecado da omissão.
Talvez o casal destruído pudesse ter conversado centenas de vezes sobre sua vida sexual. Talvez pudesse ter feito uma terapia, consultado um psicólogo, um psiquiatra antes do dragão tomar as proporções que tomou. Deveria ter ocorrido uma negociação por parte dos participantes, que exigiria a admissão de que o dragão existe. É uma realidade difícil de encarar, mesmo que o dragão seja ainda muito pequeno para devorar o pai de família que ousa confrontá-lo. Talvez o casal pudesse ter evitado juntos as águas turbulentas e descontroladas capazes de afogá-los. Talvez pudessem ter feito isso, em vez de dizer de forma preguiçosa, covarde e cordata: "Tudo bem. Não vale a pena brigar por isso." Num casamento não vale a pena brigar por coisas pequenas. "Ah, posso suportar isso." E ambos permanecem calados, convencidos de que são pessoas tolerantes. E o dragão debaixo do tapete ganha uns quilinhos extra. Talvez o diálogo entre marido e mulher tenha se deteriorado numa rotina entediante e talvez fosse melhor aceitar a rotina do que arcar com a responsabilidade de manter a relação viva.
Possivelmente, tanto o marido como a mulher tenham criado uma neblina para esconder o que não queriam enxergar. Talvez a briga que você esteja travando com sua mulher ou seu marido signifique o fim do relacionamento. Por que especificar o problema e admitir que ele existe?
Não esconda os filhotes do monstro sob o tapete. Eles crescem no escuro. Então quando você menos esperar, saltarão do esconderijo e o destruirão. Perceba seus erros. Articule-os. Esforce para corrigi-los. Só assim descobrirá o significado de sua vida. Admita o que quer. Mas, se preferir continuar escondendo o dragão, ele ficará cada vez maior, espreitando debaixo de sua cama e nos recônditos sombrios de sua mente — e ele vai devorá-lo.