Possivelmente, hoje não seria o melhor dia para escrever alguma coisa. Exatamente há um ano, no dia 17 de maio de 2022, perdi uma das pessoas que mais amei na viva, minha irmã caçula, sempre ao meu lado, como companheira de brinquedos, de estudos, de excentricidades da adolescência, finalmente como criatura responsável diante das exigências da vida. Para nós, parecia que a vida não terminaria nunca. Uma pessoa passa décadas de sua vida formando-se como ser competente, talentosa, ampliando e aprimorando seus dons, refinando-se, aprendendo a suportar os desapontamentos do mundo até chegar a ser uma criatura única, com dignidade, valores próprios, fugindo da imaturidade... Então vema tragédia. São necessários 70, 80 anos de apuros, dificuldades, sofrimentos para chegar a ser o que é, e daí ela percebe que está cada vez mais aproximando-se do fim.
Seja ou não o medo da morte um medo universal, é um sentimento que a maioria não pode suportar. Naquele dia 17 de maio, entretanto, perdi o medo da finitude humana e compreendi que mesmo vivendo uma vida diferente, amando mais e mais a humanidade, todos iríamos morrer porque o indivíduo foi programado geneticamente para isso. As separações são as consequências amargas da morte e fazem-nos acordar para arealidade universal. Mas, e agora? Como vou viver sem a presença de quem foi-me uma espécie de sombra — sei que a recíproca é verdadeira, porque sempre vivemos ambas respirando sob o mesmo teto, comungando as mesmas ideias e procurando remendar os mesmos lances esgarçados pela vida. Sempre juntas. Pouco falávamos da nossa brevidadecomo figurantes de poucos segundos no palco da vida e de que os dias de rosa e de vinho iriam desaparecer rapidamente. Preferíamos não mencionar a impossibilidade de capturar o minuto.
Temos que aprender que no curso da vida perdemos muito do que amamos porque esse é o preço que pagamos para viver. Ao trilhar o caminho do nascimento até a morte, temos que passar também pela dor de renunciar e renunciar e renunciar a uma parte do que amamos. Temos de enfrentar aquelas perdas que chamamos de necessárias. Precisamos entender que essas perdas se prendem aos nossos ganhos. Ao perdermos a união irmão com irmão, transformamo-nos num euseparado, trocando a ilusão de proteção e segurança pela ansiedade amedrontada de caminhar absolutamente sozinhos.
Para viver como "sapiens", temos de renunciar a muitas coisas, pois não se pode amar profundamente sem se tornar vulnerável à perda. Dizer adeus às pessoas que amamos não significa tirá-las do coração. Irei sempre sentir saudade, esse sentimento ninguém poderá me roubar. E quando a saudade não couber mais no coração deixarei que escorra pelos olhos. Sei que um dia — ainda é cedo para isso — um dia, as boas lembranças de minha irmã vão secar as minhas lágrimas e me fazer sorrir.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP