PERDENDO O PROTAGONISMO

Por Jornal Cidade de Agudos em 18/01/2024 às 15:03:41

Com toda a sinceridade, não sei aonde este artigo vai chegar. Estamos com uma ideia na cabeça, mas é ainda insipiente e nossos conhecimentos muito pobres para prever em que praia vamos aportar. Seguinte: Partiremos da premissa, segundo o dataísmo, de que o Universo é formado por um fluxo de dados e o valor de qualquer fenômeno ou entidade é determinado por sua contribuição ao processamento de dados. Pode parecer uma noção marginal, segundo Harari, mas o fato é que ela já conquistou a maioria do estamento científico. Até ontem, os humanos lidavam com fluxos de dados enormes, incapaz de refiná-los em informação e conhecimento. Esse trabalho de processamento não deveria ser confiado a algoritmos eletrônicos, cuja capacidade excede muito a capacidade do ser humano?

Economistas, cada vez mais, interpretam a economia como um sistema de processamento de dados. Leigos acreditam que a economia consiste em camponeses cultivando trigo, operários fabricando roupas e consumidores comprando pão e roupa íntima. Os especialistas a veem como um mecanismo que reúne dados sobre desejos e aptidões e que os transforma em decisões. Segundo esta ótica, capitalismo e comunismo não são ideologias, mas instituições políticas que competem entre si. No fundo, são sistemas de processamento de dados que competem entre si. Enquanto o capitalismo usa um processamento distribuído, o capitalismo usa um sistema centralizado. O capitalismo conecta produtores e consumidores, permitindo que tomem decisões entre si. Exemplo: no livre mercado como se determina o preço do pão? Bem, o padeiro pode produzir a quantidade de pão que quiser e cobrar o preço que quiser. Já o consumidor pode comprar a quantidade de pão que conseguir pagar ou procurar um competidor. Se o padeiro assim o desejar pode cobrar mil reais por um pãozinho, isso não será ilegal mas quem o comprará?

Numa escala muito mais ampliada, caso os investidores prevejam um crescimento na demanda do pão, poderão comprar ações de empresas de tecnologia que desenvolvam geneticamente cepas de trigo mais férteis. O influxo de capital poderá possibilitar a essas empresas agilizar suas pesquisas e, assim, produzir trigo mais rapidamente, impedindo a falta de pão. Mesmo que um gigante da biotecnologia adote uma teoria falha e fique num beco sem saída, seus competidores mais bem sucedidos vão alcançar a esperada inovação. Assim, o capitalismo de livre mercado distribui o trabalho de analisar dados e tomar decisões entre os muitos processadores independentes, mas interconectados.

De acordo com essa visão, a bolsa de valores é o sistema mais ágil e rápido criado pelo ser humano. Os preços são influenciados por experimentos científicos, por escândalos políticos na Alemanha, por erupções vulcânicas na Islândia, etc. O máximo de informações precisa fluir o mais livremente possível para que o sistema possa funcionar. Estima-se que a bolsa de valores precise apenas de 15 minutos para determinar que influência uma manchete o New York Times terá sobre a maioria das ações.

As considerações sobre o processamento de dados explica porque os capitalistas são favoráveis a cobranças de impostos mais baixos. Uma taxação mais pesada significa que uma fração maior de todo o capital se acumulará em um só lugar — nos cofres do Estado — e consequentemente mais e mais decisões serão tomadas por um único processador, a saber, o governo. Quando os impostos são excessivamente altos, todo o capital fica nas mãos do governo, que passa a dar as cartas. Contudo, quando um único processador toma as decisões, os erros podem ser catastróficos.

Atenção! Esta situação extrema, na qual todos os dados são processados e todas as decisões são tomadas por um processador único e central, chama-se co-mu-nis-mo. Em uma economia comunista, as pessoas supostamente contribuem com seu trabalho segundo suas capacidades e recebem de acordo com suas necessidades. Em outras palavras, o governo fica com 100% dos lucros que você auferiu (conseguiu obter), decide quais são suas necessidades, depois as supre. A União Soviética foi quem mais se aproximou desse esquema de forma mais extrema. Chegou ao mais próximo que puderam. Abandonaram o princípio de dados distribuído, adotando um sistema de dados centralizado. Toda a informação da União Soviética fluía para um único local em Moscou, onde eram tomadas todas as decisões importantes. Produtores e consumidores não podiam se comunicar diretamente e tinham de obedecer as ordens do governo.

O comunismo ruiu, o capitalismo venceu. Qual o segredo do sucesso capitalista? O processamento de dados distribuído funciona melhor do que o sistema de dados centralizado. No capitalismo, nenhuma unidade central de processamento monopoliza todos os dados. No caso específico do pão, a informação flui livremente entre milhões de produtores e consumidores, padeiros e magnatas, agricultores e cientistas. Forças do mercado determinam o preço do pão, as prioridades de pesquisa etc. Se as forças atuantes no mercado tomam uma decisão errada, elas logo se corrigem. Como diz Harari, não importa se a teoria está correta, o crucial é que a teoria vê a economia e a compreende em termos de processamento de dados. E ponto. Quem é o protagonista? Onde fica o ser humano nesse processo? A pergunta não merece outro artigo?

oOo

(Texto montado em estudos e especulações de Y.N.Harari, em seu livro Homo Deus, SP, Cia das Letras, 2016, pp 370-376.)

Dra. Maria da Glória De Rosa

Pedagoga, Jornalista, Advogada

Profª. assistente doutora aposentada da UNESP

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