Por que será? As pessoas afeitas à escrita têm certo constrangimento em falar ou escrever sobre religião. Acreditamos que pensam não ser moderno ou culto discorrer sobre o assunto. Pois, muitas vezes, temos incontida inclinação para escrever sobre Jesus, sobre Deus, sobre Nossa Senhora. Por coincidência, justamente nestes dias "em que a alma fala e o coração nos trai", como dizia o poeta, estivemos lendo um livro sobre o Evangelho. Livro lindo, psicografado por Divaldo Franco, que aborda o assunto com propriedade.
Colhemos nele muita sabedoria. Recapitulemos, então, alguma coisa, sem, no entanto, postular sobre esta ou aquela religião. Nesse contexto, também inserimos, como não poderia deixar de ser, apontamentos de nossa lavra para tornar a explanação mais plausível.
A Lei Natural, que vige todo o Universo, é a Lei do Amor. Por inspiração divina, Moisés elaborou o Decálogo, tornando-o paradigma para as demais leis, por conter em essência o fundamento do respeito a Deus, à vida e aos seres.
O primeiro código de leis escrito na história foi criado na Mesopotâmia, cerca de 1780 a.C., pelo rei Hamurabi. Estabelecia a equivalência da punição em relação ao crime. O termo talião, de origem latina, significa tal ou igual, daí a expressão "olho por olho, dente por dente". Nele se viam os primeiros sinais de respeito pela vida e pelos seres humanos, embora a característica essencial fosse a dominação arbitrária dos poderosos. Todavia, a determinada época o ser humano compreendeu que a amputação de um membro que houvera praticado um mal era mais uma vingança que uma justiça, porque não é o órgão que comete o delito, mas sim o ser pensante. Começa, então, um processo de reeducação que passou a ser a medida própria para reabilitar o infrator, antes de destruir-lhe a existência corporal ou parte dela.
Jesus, esse homem excelente, chegou à Terra e defrontou a ignorância em predomínio, trazendo a mensagem do amor que jamais fora apresentada antes na formulação de que Ele se fazia portador. O amor, antes de Jesus, era considerado sentimento feminino, próprio da fragilidade atribuída â mulher. Ignorava-se a dualidade animus (reflexo masculino no interior de cada mulher) -- anima (projeção do feminino na psique do homem). Consequentemente, de acordo com a psicologia de Jung, não se entendia ainda o binômio anima-animus como fios que tecem o tapete de nossa psique.
Segundo alguns autores, o Verbo de Jesus parece estar exarado em linguagem programada para refletir e resistir à evolução do pensamento e abrir espaço para repercussões sociológicas, psicológicas, espirituais e éticas através dos diferentes períodos da humanidade. Ocultando grandes verdades em símbolos compatíveis com a compreensão do momento, utilizou-se com sabedoria dos conteúdos dos hábitos diários para compor admirável hino de louvor à vida de que se tem conhecimento.
Suas parábolas, fincadas com o cimento das lições do cotidiano, são discursos para todos os períodos do desenvolvimento sociopsicológico da humanidade. Não obstante, Jesus fez grandes silêncios em torno de verdades mais transcendentais, que poderiam ser desvirtuadas em virtude da falta de amadurecimento evolutivo e psicológico da sua época. Estava ciente da impossibilidade de seus contemporâneos registrar Seu pensamento, expondo-o a mutilações, adaptações, adulterações de acordo com os interesses vigentes em cada época.
E Jesus deu um alerta para todas as gerações, mormente às fases históricas de perseguições, calúnias e difamações. Por isso, o enunciado "Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas" ensinou que mesmo diante das leis injustas o homem não deve temer as injunções negativas, porquanto nada de fora conseguirá alcançar sua liberdade interior, exceto a sabedoria da lei do amor inserida na sua consciência.
Jesus não foi o biótipo de legislador convencional. Não veio submeter a Humanidade nem se submeter às leis vigentes. Era portador de uma revolução que tem por base o amor mais excelente e sutil e que adotado transforma os alicerces éticos do indivíduo e da sociedade.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP