No final de junho, o advogado Vítor Marques deixou a Secretaria de Negócios Jurídicos de Cotia, na Grande São Paulo, dias depois de ser alvo da Operação Nerthus, do Ministério Público de São Paulo. A investigação descobriu um esquema de loteamento clandestino em área de preservação ambiental que seria comandado pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Marques é sócio de um dos escritórios que prestam serviços para a campanha de Fernando Haddad (PT), candidato ao governo de São Paulo.
Segundo a investigação do Ministério Público, o então secretário é suspeito de passar informações privilegiadas ao grupo criminoso e orientações jurídicas sobre como manter a ocupação ilegal.
A investigação foi um desdobramento da Operação Fast Track, de 2020, quando o Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) descobriu uma célula jurídica da facção criminosa composta de 47 advogados.
Os promotores descobriram que uma das advogadas investigadas na Operação Fast Track manteve contatos com um advogado de Cotia para tratar da construção de loteamentos clandestinos em área de preservação ambiental, tudo com a participação do PCC.
Com o aprofundamento das investigações, a Justiça autorizou a quebra do sigilo telefônico e dos emails e redes sociais dos investigados. Foi quando apareceram os contatos e menções a Marques.
De acordo com os levantamentos do Ministério Público, foram encontradas conversas com citações a reuniões dos envolvidos com o então secretário e até uma mensagem de WhatsApp entre Marques e um dos investigados.
Nos documentos de investigação do Ministério Público, os promotores assinalaram a participação de Marques: "Há, portanto, fortes indícios de que Vítor Marques, na condição de secretário jurídico do município de Cotia, integra a organização criminosa, tendo se reunido com o advogado Gilberto para tratar da regularização da área ilegalmente invadida do Parque das Nascentes".
Para os promotores, havia fortes indícios de que o advogado estaria envolvido com os investigados. Tanto que ele foi um dos alvos da Operação Nerthus, que, em 24 de junho, cumpriu dez mandados de prisão e 19 mandados de busca e apreensão.
A casa e o gabinete de Marques na Secretaria de Negócios Jurídicos de Cotia foram alvo de buscas. Promotores e policiais encontraram R$ 122 mil em espécie na casa dele. Dias depois da operação, ele deixou o cargo.
Quando pediu à Justiça a devolução do dinheiro apreendido em sua casa, Marques recebeu como resposta da juíza Andressa Martins Bejarano: "No que se refere à apreensão de valores em espécie, não vislumbro excesso na efetivação da busca e apreensão, ressaltando-se, novamente, que a investigação em tela apura crimes ambientais, lavagem de dinheiro, corrupção de agentes públicos e improbidade administrativa, entre outras práticas ilícitas, e parece razoável que a presença de grande quantidade de dinheiro em espécie na residência dos investigados possa representar elementos relevantes de prova".
De acordo com a Receita Federal, Vítor Marques é sócio do escritório Caires, Marques & Mazzaro Sociedade de Advogados. É um dos três escritórios de advocacia que constam na prestação de contas da campanha de Fernando Haddad ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP). Recebeu R$ 110 mil, em 31 de agosto, por serviços advocatícios.
Nos documentos enviados à Justiça Eleitoral consta uma procuração de Haddad para 9 advogados para representar os interesses dele e da campanha na Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral.
Marques trabalhou na Prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad. Em 2014, ele foi nomeado assessor técnico no Gabinete do Prefeito. No último ano da gestão, em 2016, o advogado foi nomeado chefe de gabinete da Secretaria de Governo. O secretário, à época, era Francisco Macena da Silva, atual administrador financeiro da campanha de Haddad.
A defesa de Vítor Marques, ex-secretário de Negócios Jurídicos de Cotia e ex-assessor de Haddad na Prefeitura de São Paulo, informou que: "A defesa de Vítor Marques esclarece que a investigação citada na matéria é antiga, sem nenhum fato novo e que já deu origem a ação penal na qual ele sequer foi um dos denunciados.
Vítor Marques não presta serviços, não tem vínculo advocatício ou mesmo procuração firmada com a campanha de nenhum candidato ao governo do Estado de São Paulo. É advogado especializado e atuante em Direito Administrativo, matéria na qual é professor, mestre e doutorando pela PUC [Pontifícia Universidade Católica] de SP.
A área de Direito Eleitoral do escritório que ele integra é conduzida por outro advogado, especialista na área".
Ao contrário do que diz a defesa, a reportagem constatou que o Ministério Público prossegue investigando o advogado Marques e aguarda a perícia nos equipamentos apreendidos. Consta no processo que no dia 1º de setembro a defesa do advogado pediu à Justiça que autorizasse o acompanhamento da extração dos dados dos aparelhos eletrônicos que foram apreendidos durante a operação.
Procurada na tarde de terça-feira (4/10), a assessoria do candidato Fernando Haddad informou, inicialmente, que precisaria de tempo para avaliar o pedido de esclarecimentos sobre o caso. Pediu para que a reportagem aguardasse ao menos até o meio-dia desta quarta-feira para uma possível manifestação, mas acabou por não se pronunciar.
Em nota, o escritório Caires, Marques & Mazzaro Sociedade de Advogados disse que "foi um dos vários contratados para a atuação jurídica da campanha [de Haddad] ao governo do estado, assim como o foi para diversos candidatos nesta e em outras eleições, dos mais variados partidos e espectros ideológicos.
O profissional que atuou no contrato em questão foi o nosso especialista em Direito Eleitoral. O advogado Vítor Marques é especialista em Direito Administrativo e, portanto, não participou desta prestação de serviço".