No romance "1984" de George Orwell, o Ministério da Verdade é o órgão responsável pela máquina de propaganda do governo totalitário e se ocupa das notícias, entretenimento e educação.
O clássico retrata uma distopia em que o governo controla todos, ditando qual é a verdade: tudo sempre deve condizer com o que o Partido diz ser verdadeiro. O governo Lula parece ter se inspirado no livro para criar, na última semana, um órgão de controle da verdade.
Lula criou, por meio de decreto, nova estrutura dentro da Advocacia Geral da União: a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia. Sua função será combater as fake news. Além disso, criou a Secretaria de Políticas (ou seriam Polícias?) Digitais na Secretaria de Comunicação Social, que será dividida entre Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão e o Departamento de Direitos na Rede e Educação Midiática.
Todos os cargos dos novos paladinos da verdade são cargos políticos de indicação de Lula. Caberá à Secretaria de Políticas Digitais "Formular e implementar políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, do acesso à informação e de enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, em articulação com o Ministério da Justiça." Ao criar a nova Procuradoria da Verdade (decreto 11.328/2023), Lula não explica que critérios serão usados para definir o que é uma informação válida e o que é fake news.
Não explica também qual a metodologia de trabalho e de monitoramento da informação. Qualquer semelhança com "1984" não é mera coincidência, mas um assustador alerta.
É evidente que as duas novas pastas são complementares. A SECOM monitorará as redes sociais e a própria imprensa colaborando com a Procuradoria de Defesa da Democracia para agir contra o que quer que considerarem fake news. A Procuradoria da Verdade poderá ser usada para buscar a punição de quem ousar criticar políticos aliados.
Não há um texto legal que defina o que é desinformação. Quem dirá o que é verdade e o que é mentira? Quem negou Mensalão e Petrolão editará a verdade na imprensa e nas redes?
Se alguém disser que a Venezuela é uma ditadura, estará criando desinformação para um governo que nega essa realidade?
A AGU define desinformação como mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas.
Se é assim, denunciar a corrupção do presidente ou de ministros poderá ser enquadrado como desinformação e censurado pela AGU.
É no mínimo absurdo que um governo possa censurar críticas a suas políticas públicas qualificando-as como desinformação.
Essa "defesa da democracia" a sufoca e mata, ao suprimir a liberdade de expressão e a livre oposição. É curioso que essa pasta tenha sido criada na AGU porque ela defende a União. Caso se permita que um advogado da União defina o que é verdade, os fatos serão interpretados - ou distorcidos- sempre em favor do cliente.
No melhor dos cenários, se esses órgãos não forem usados para perseguir adversários políticos, sua mera existência gera autocensura e "chilling effect", por medo de represálias. Coíbem e calam a oposição. Ferem de morte nossa democracia. O Estado jamais deve ter o poder de impor sua verdade e condenar vozes destoantes. Discursos de proteção da democracia não devem justificar o emprego de armas que a asfixiam.
Nas democracias, é a ampla liberdade de expressão, e não a censura, que assegura o combate à desinformação. Um exemplo disso é o caso chinês. O governo da China perseguiu e calou aqueles que antecipadamente denunciaram a amplitude e os riscos da Pandemia. Por ter controle da mídia e do que é considerado verdade, o mundo descobriu a realidade tarde demais.
Thomas Jefferson bem ressaltou que o preço da liberdade é a eterna vigilância.
Sejamos guardiões da democracia, protestando contra a ameaça de mordaça que o Governo do PT tenta colocar sobre o nosso país.
Deltan Dallagnol