Somos potência paralímpica, mas inclusão é um desafio gigante

Por Jornal Cidade de Agudos em 11/09/2024 às 16:01:17

Crédito Nayara Zattoni Fotografias

Como pessoa de baixa visão, atleta paralímpica e fundadora do projeto Enxergando o Futuro, que ensina braile de graça e a distância, acompanhei os Jogos Paralímpicos de Paris, em que o Brasil se consolidou como uma das potências no cenário paralímpico global, com carinho e interesse especiais. Torci não só pelos nossos atletas e pela conquista de medalhas – e elas vieram aos montes, num total de 89 -, mas pela visibilidade que a competição deu a quem tem deficiência. Isso porque esse reconhecimento público contribui para que a sociedade mude percepções sobre as habilidades e o potencial das pessoas com deficiência e, consequentemente, ajuda na inclusão.

O progresso na inclusão de pessoas com deficiência no País é visível, com mais acessibilidade em espaços públicos, avanços na legislação e uma crescente conscientização social. No entanto, o desafio ainda é gigante. A falta de oportunidades no mercado de trabalho, a exclusão em ambientes educacionais e as barreiras arquitetônicas e tecnológicas continuam limitando a plena participação dessas pessoas. Os Jogos Paralímpicos terminaram, mas nós estamos em pleno Setembro Verde, mês dedicado à reflexão sobre a inclusão de pessoas com deficiência, e seguimos na luta.

Já somos potência de esporte paralímpico, mas nossa luta precisa ser para que toda pessoa com deficiência que queira se exercitar ou praticar um esporte, consiga de fato. Na educação, a implementação de políticas públicas, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que garante o acesso de pessoas com deficiência a escolas regulares e universidades, é um avanço. Mas as escolas e universidades muitas vezes não estão preparadas para acolher estudantes com deficiência, tanto em infraestrutura quanto em formação de professores. Aumentaram as iniciativas voltadas ao ensino de libras e braile, como a nossa, o Enxergando o Futuro. Mas ainda está longe de o braile estar disponível a todo aluno que precisa.

A Lei de Cotas, que é antiga, de 1991, exige que empresas com mais de 100 funcionários reservem entre 2% e 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Isso ajuda na inclusão no mercado de trabalho formal, mas ainda segue difícil para muitas pessoas com deficiência se qualificarem, sem falar do preconceito que enfrentam no ambiente profissional. E falta, por parte da população, entender melhor as especificidades das diferentes deficiências, o que gera barreiras sociais, limitando as oportunidades de interação e reconhecimento das potencialidades dessas pessoas.

A acessibilidade física e arquitetônica é outro grande desafio. Muitos espaços públicos, empresas e residências ainda não são totalmente adaptados para pessoas com deficiência, o que limita a mobilidade e independência dessas pessoas. Nas pequenas cidades, o transporte público acessível praticamente não existe. Mesmo nas maiores, ainda carece de adaptações suficientes para garantir a mobilidade e a autonomia das pessoas com deficiência.

A representação de pessoas com deficiência tem crescido em filmes, séries e campanhas publicitárias e em produtos, mas ainda está longe de ser ideal. Exemplos de boas iniciativas foi o lançamento da Barbie, a boneca mais desejada do mundo, com bengala branca e óculos de sol para representar as pessoas com deficiência visual, e a linha de maquiagem inclusiva da Natura, que ensina os passos básicos e acessíveis de maquiagem por voz.

Sites, aplicativos e tecnologias ainda não são totalmente adaptados para pessoas com deficiência visual, auditiva ou motora, criando barreiras no acesso à informação e serviços. Há tecnologia assistiva que ajuda muito na autonomia e inclusão digital, mas é cara e não é acessível para a maioria das pessoas com deficiência. A soma desses desafios cria um cenário em que a inclusão ainda está longe de ser plena.

O fato é que há avanços e conseguimos uma visibilidade enorme com os Jogos Paralímpicos de Paris. Mas é necessário um esforço contínuo e coletivo para transformar a inclusão em algo natural e universal, onde todas as pessoas, independentemente de suas habilidades, possam viver com dignidade e igualdade.

Daniela Reis Frontera é mulher de baixa visão e fundadora do projeto Enxergando o Futuro, que ensina braile de graça e a distância. @enxergandpofuturo

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