A Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Agudos inaugurou no último sábado (19/11) o Espaço Cultural Arcângelo Napoleone, nas dependências do Cine Theatro São Paulo. O evento contou com a apresentação da Corporação Musical Maestro João Andreotti em comemoração aos 49 anos de história do grupo. A cerimônia contou também com a presença de autoridades locais e da região. O espaço foi remodelado com o objetivo de possibilitar o acesso à arte e à cultura para toda a comunidade.
O prédio do Cine Theatro é um dos mais antigos da história da cidade, construído pelo senhor Arcângelo Napoleone em 1910, e revitalizado através da iniciativa de José Mauro Napoleone, o Malo, que é neto de Arcângelo.
Para a inauguração total do teatro, faltam poucos detalhes. O Espaço Cultural, que foi inaugurado no sábado, fica no mesmo prédio e funcionará como um complemento às atividades do cinema e do teatro, possibilitando a realização de exposições e apresentações artísticas.
Conheça um pouco da história de Arcangelo Napoleone
Registrado Angelo Maria Arcangelo Napoleone, Arcângelo Napoleone nasceu em 15 de agosto de 1881 em Pescopennataro, cidade italiana da província de Campobasso (região de Abruzzo e Molise, "centro meridional da Itália). Em 1963, reforma administrativa separou Molise de Abruzzo e, em 1970, Pescopennataro passou a ser da província de Isérnia. Pescopennataro surgiu no início da "Idade Média", fundada por volta de 570 por longobardos que invadiram o antigo império romano do ocidente. A região foi fortemente influenciada pela proximidade dos Bálcãs, do outro lado do Adriático.
A região situa-se do lado oriental dos Apeninos, cadeia de montanhas que corta a Itália. É sujeita a terremotos. Na casa de Arcângelo, as panelas e utensílios da cozinha ficavam pendurados de modo a vibrar no caso de terremoto. Era alarme. E a casa da família ficava em parte bem alta da cidade, praticamente à beira de um precipício, onde Arcângelo brincava. O local foi bombardeado (assim como toda a cidade) por alemães, na Segunda Guerra Mundial.
Em 17/2/1895, portanto com 13 anos e meio, Arcângelo embarcou para o Brasil, com uma arca com pertences e uma vasilha típica de sua região com carne de porco conservada em banha, para alimentação durante a travessia do oceano (a arca e a vasilha estão conservadas até hoje). Como era "menor", veio sob a responsabilidade de um parente chamado Francesco Monaco.
Deixou na Itália seus pais Napoleone Libero Antonio e di Francesco Giovina (mesmo em documentos, Libero Antonio é substituído por "Vincenzo") e o irmão Abilio. Havia perdido uma irmã, Lucietta.
Arcângelo desembarcou em Santos e seguiu para a vizinha São Manuel (então "São Manuel do Paraízo), sendo hospedado pelos Calvitti, seus conterrâneos.
Em São Manuel, Arcângelo já demonstrou seus dons arquitetônicos, tendo construído uma das torres laterais da fachada principal da igreja matriz daquela cidade (isso ele contava e mostrava a seus filhos, quando passava pela cidade, indo a São Paulo).
Nessa época, ele certamente estava entre 14 e 16 anos. Porque ele mesmo disse em discurso, por ocasião do 63º aniversário de Agudos (1961), que chegou com 16 anos a Agudos ("Na época da fundação de Agudos, eu já aqui residia. Em onze de outubro de 1897 cheguei (?) em São Paulo dos Agudos. Vim de São Manoel, com 16 anos de idade, sozinho. Meus pais e o irmão Abilio vieram depois").E Arcângelo, no mesmo discurso, revela por que acabou ficando em Agudos: "Vim aqui trabalhar e começar a vida. Simpatizei-me com a localidade e aqui fixei residência (....)".
O CONSTRUTOR E EMPREENDEDOR
Chegando a Agudos, Arcângelo iniciou sua longa vida de construtor. Suas primeiras obras de destaque foram os túmulos do cemitério da cidade. Os ornatos, conforme relatava, foram feitos com canivete. Posteriormente, em 1907, construiu o primeiro jazigo no novo cemitério, inaugurado no início de 1908. Esses anos foram triste pedaço em sua vida: tendo seus pais e irmão já vindos e convivendo na cidade, a mãe Giovina faleceu em 1907 e foi justamente sepultada no jazigo recém-construído, com autorização do intendente (prefeito), por o novo cemitério não estar ainda inaugurado. Nessamesma época faleceu a primeira filha, também Giovina – Arcângelo casara-se em 1907 com Assunta De Conti, também imigrante. Além de Giovina, o casal teve 10 filhos: Virgínio, Annita, Euclydes, Maria, Ezilda, Helena, Ovídio, Aurora, Clélia e Diomira.
O pai, Vincenzo, voltou em 1908 para a terra natal, Pescopennataro, onde faleceu em 1934.
Convém lembrar que o pai de Arcângelo também deixou sua marca como construtor em Agudos. Ele trabalhou na construção do muro de arrimo da Estrada de Ferro Sorocabana e dos dois pontilhões (da rua 7 de Setembro e da rua Tenente Caetano Bueno, hoje Prefeito Dr. Antônio Condi). Nota-se, por sinal, o estilo das construções, feitas com pedras, bem semelhantes ao das existentes em Pescopennataro. A cidade natal de Arcângelo era celeiro de marceneiros, construtores e especialistas em cantaria, para as fachadas. Parentes de Arcângelo notabilizaram-se por trabalhos nas fachadas da Caixa Econômica e do teatro municipal de São Paulo, assim como de trabalhos em madeira na catedral de Campinas e na prefeitura de Ribeirão Preto.
Já antes de seu casamento, destaca-se o empreendedorismo de Arcângelo, com sua fábrica de cerveja em Bauru (1904 – por sinal, foi de Bauru que Arcângelo enviou a carta de pedido de casamento a Assunta, 27/11/1905) e em 1905, uma das obras de maior vulto: a igreja matriz de Agudos. Foi iniciada em 1905, projeto considerado modesto, com trabalhos lentos, naturalmente pela falta de recursos. Somente em 1910 realizou-se a bênção do interior do templo, ainda inacabado. Finalmente, em janeiro de 1917 a matriz foi concluída, com os trabalhos de Arcângelo, empreiteiro, tendo como auxiliares Abilio Napoleone e João Mainini, que trabalharam desde 1905. Há controvérsia sobre fato marcante: há fonte segundo a qual na primeira inauguração Arcângelo subiu à torre para fixar a cruz no topo, em meio a fogos de artifício, a ponto de desequilibrar-se, sendo amparado por João Mainini. Ou o fato seria de 1910? Ou de 1917?
Mas com certeza é o registro da bênção, em agosto de 1919, da pedra fundamental da capela de Santo Antônio, no então bairro da Sorocabana.
Também registrada com certeza é a construção da igreja de Borebi (N. Sra. Das Graças), inaugurada em 1923.
No rol das igrejas a Arcângelo atribuídas estão ainda as capelas de Nossa Senhora Aparecida e do Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração (desativada). Não são encontrados registros das respectivas datas de construção.
São construções de Arcângelo o prédio da cadeia de Avaí (já destruída) e as bases de uma usina hidroelétrica "entre Agudos e Lençóis" (hoje Macatuba). Registramos desde já, por ser verdade, embora não haja mais documentos a respeito. Consta também a construção de casa ou casas em Bauru, também sem referências históricas.
Para exercer a profissão de arquiteto, recebia autorização do Conselho Regional de Engenharia e Architectura – 6ª região. A prefeitura de Agudos era mediadora, encaminhando o pedido. Tinha carteira profissional de licenciado pelo CREA.
Construções em Agudos durante sua vida de construtor (algumas foram já destruídas):
1922: Casa na rua 15 de Novembro, nº 235; 1923: Coreto da Praça Cel Delfino (teria feito a base; consta que a armação veio da França); 1924: Prédio da Società Italiana di Mutuo Soccorso "Regina Elena" (rua 13 de Maio, 864); casa da rua 13 de Maio, 198 (por negociação com o cineteatro São Paulo, como veremos depois); casas nºs106 e 108 (ainda existentes) e 116 e 124 (já destruídas) na praça Tiradentes (Av. Rui Barbosa); Casa da Força e Luz (onde atualmente está o Banco do Brasil); casas nºs 851 e 855 da rua 13 de Maio (destruídas); casas nºs 872 e 880 da rua 13 de Maio; casa nº 327 da Av. Odon Pessoa de Albuquerque.
O CINE-THEATRO SÃO PAULO
Foi, provavelmente, a "menina dos olhos" de Arcângelo. O cineteatro foi empreendimento de Carolina de Oliveira Rocha, filha de um dos fundadores de Agudos, o coronel Delphino Alexandrino de Oliveira Machado. Foi construído em 1910, ainda no tempo do cinema mudo. A casa foi arrendada ao imigrante italiano Fortunato Andreotti. No início da década de 20, Arcângelo aceitou entrar no ramo. Em negociação com a proprietária, ficou tratado que construiria uma casa (foi construída na Praça Cel Delfino, nº 198, hoje destruída) para D. Carolina, em troca do cineteatro, mais vinte contos de réis. Arcângelo ampliou enormemente o prédio, construindo na parte da frente o magnífico salão nobre, terminando externamente com a atual fachada. O salão era verdadeiro centro cívico da cidade; recebia autoridades e visitantes ilustres. Um livro registrava os eventos e depoimentos. Infelizmente, esse livro desapareceu. Após sucessivos arrendamentos a partir de 1930, na década de 50 o prédio foi bem desfigurado – comentaremos mais à frente sobre sua reação, quando abordarmos sobre a personalidade de Arcângelo Napoleone.
O COMERCIANTE
Em 1910, Arcângelo funda uma loja na rua 13 de Maio, nº 55 (depois 772). Lá se vendia de tudo (menos alimentos, tecidos e, claro, remédios). Ficava na parte da frente da residência onde nasceram seus filhos e residiu até a década de 50, quando se mudou para a última de suas residências, na praça Tiradentes (rua 7 de Setembro, esquina com a avenida Rui Barbosa). Em 1953, tendo ampliado a loja, passou o negócio aos filhos Virgínio e Ovídio e ao genro José André Guarido.A loja do Arcângelo contava com um depósito para guarda de mercadoria e material de construção e contava com oficina de marcenaria para trabalhos diversos e alguns diretamente ligados à loja (montagem de moldura para quadros, por exemplo). Também, próximo da loja, havia um tanque para preparo da cal para construção (fundos das casas nºs 851 e 855 da rua 13 de Maio).