Machado de Assis, uma das glórias da literatura brasileira, além de romancista também respeitado poeta, deixou dezenas de frases que o celebrizaram. Em um soneto sobre as festas natalinas, quando, para terminar o poema, o autor lutava contra a falta de inspiração e a rima que não vinha, acudiu-lhe, este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"
Quantos natais já passaram pelas nossas vidas! E como foram adquirindo matizes diferentes, à medida em que avançávamos em anos! O Natal de minha infância, da sua infância, eram pontilhados de pequeninos sonhos. Vem à mente a pureza da criança, que ansiava pela chegada do velho de barbas brancas, com o presente na mão. O presente pedido, idealizado e tão nervosamente esperado! Aquela alegria da véspera, a inquietação, podem se comparar às emoções de outros natais, que vieram anos depois? Naquela longínqua infância, tudo era sonho, pureza, vida sem pecado e sem maldade. Acaso alguma coisa se ombreia àqueles dias em que a alma era cor de neve, as preces ingênuas, o coração um cadinho de humildade entremeado de esperança?!
Essa quadra da vida ficou para trás, e para sempre. Inútil olhar pelo retrovisor da memória porque o tempo é inclemente e impiedoso. Se boas memórias perduraram, vivamos e contentemo-nos com o perfume que deixaram. Hoje a verdade é dura e lancinante. Nossos natais já não são mais os mesmos. O que era ingênuo, doce e ameno hoje passou pelo crivo da intolerância e se tornou piegas e acre.
Boneca, carrinho de brinquedo, cavalinho de pau, bolha de sabão? Acorda criatura de priscas eras! Quer passar por alienado, por "bestão", por alienígena? Hoje é a época dos brinquedos eletrônicos, das supermetralhadoras, dos drones, das naves espaciais! E muito cuidado aos que pretendem sair às ruas nas festas natalinas. Para meliantes não tem disso, não! Para eles qualquer dia e qualquer hora é dia ou hora para botar pra quebrar!
Hoje tudo é diferente. Até a maneira de falar, de vestir-se, de comportar-se. Os anseios também se transformaram. Ninguém mantém mais aqueles hábitos antigos, aquele sentimentalismo ridículo. A criançada de agora proíbe pai ou mãe de esperar por ela à porta da escola, principalmente se aparecer dirigindo carro velho. Se não for "da hora", não apareça para não envergonhar a cria.
A vida passou celeremente por incontáveis transformações. Os tempos mudaram e todos nós também mudamos. O Natal de hoje é o que atrela o menino da manjedoura ao materialismo em detrimento do perdão e do amor. Fica difícil de aceitar. Bem por isso, com Machado de Assis, eu também me pergunto, repetindo o mesmo pequeno verso:
Mudou o Natal ou mudei eu?
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP