Pode não parecer, mas existem dois tipos diferentes de leitores de um livro. Sugerem os mais entendidos no assunto que se faça uma distinção entre leitor e consumidor. Na verdade, todo leitor é um consumidor, mas há os que vão além disso. É aconselhável estabelecer uma distinção entre ambos.
O consumidor é aquele leitor que ao ler o livro assimila rapidamente seu conteúdo. Digamos que se apressa em formar uma opinião rápida do livro, um ponto de vista fechado, pronto para ser incorporado em suas posses intelectuais. Quer estar apto para comentar em seu círculo intelectual que conhece o autor e o conteúdo do livro dele. O consumidor não se compromete com qualquer esforço, quer simplesmente o prazer da leitura.
Ao lado do consumidor existe o leitor que não deve ser considerado como seu opositor. Obviamente, o leitor deseja também o prazer da leitura, mas mais que isso, almeja a fruição. Fruir é desfrutar, gozar e a fruição é o gozo, a posse, o desfrute da obra. O leitor está pronto para os imprevistos, para o desconforto, para o contato com as ciladas, emboscadas. Fruir é submeter-se às regras desconhecidas do jogo e, por isso, o leitor não se atira à ilusão da completa posse intelectual de qualquer obra.
O leitor nem sempre se satisfaz com uma única leitura do livro. Muitas vezes, relê-o mais de uma ou duas vezes. Faz parte da personalidade do leitor a releitura. E há obras que, aos olhos do leitor, jamais escapariam de uma releitura. Escritos de Clarice Lispector ou de James Joyce, por exemplo, aos olhos do autêntico leitor, jamais poderiam ser entendidas sem passar pelo crivo da releitura. Esta vai na contramão do comprador de um livro, porque admite que o livro pode ser comprado, mas seu conteúdo jamais será apreendido totalmente. Isto supõe que o leitor inclina-se a não adquirir outra obra enquanto não gozar totalmente do prazer da obra em análise.
O leitor não tem pressa em terminar a leitura. Chega mesmo a cultivar uma relação de lentidão com a obra literária que o desafia. Isto parece antagônico ao espírito de nosso tempo em que a pressa é a tônica dominante. É neste sentido que o filósofo Nietszche aconselha a ruminar a leitura, como quase um quadrúpede, mastigando a leitura pela segunda vez.
A releitura, item inquestionável ao verdadeiro leitor, leva muitas vezes a descobertas incríveis, que uma única demão encobre e subtrai ao ledor apressado. Leituras superficiais roubam momentos mágicos que somente uma análise acurada poderia oferecer e gratificar o leitor.
Este texto, que nem mesmo sabemos se será apreciado por alguns poucos leitores, foi baseado numa publicação de o "Estadão", de 22/1/25, que submetemos ao nosso sabor e ao qual acrescentamos algumas ideias. É preciso entender que nenhuma obra de razoável qualidade é exaustiva, o que convida o ledor a não vestir a camisa-de-força do consumidor, nem sempre salutar. Que sirva a todos o exemplo de o crítico Antonio Candido ao afirmar uma vez ter lido mais de 70 vezes o romance "S. Bernardo" de Graciliano Ramos. Você, que não é nenhum crítico literário, não precisa contudo exagerar.