Mas, o que é isto? Mexendo na minha estante de livros encontro um intacto com as folhas ainda seladas e sem nenhuma marca de ter sido olhado. Mistério! De quem é este livro? Como veio parar aqui? Nada acontece por acaso, se ele está aqui algum motivo tem. Pego o livro na minha mão, olho-o... não tem marca de ninguém, apenas uma pequena etiqueta onde está escrito Rossio. Então, uma pista: veio de Portugal. As pistas pararam aí. Pensei, então vou lê-lo. O que será que tem de especial? Ou não teria nada de especial? Quem o colocou aqui? Estrela Polar de Vergílio Ferreira. O que sei desse autor é que é muito laureado, nascido em Portugal (1916-1996), escreveu cerca de 20 romances, muitos ensaios, até um diário. Não li nada dele, então vou ler este que me caiu nas mãos de paraquedas. Creio que valerá a pena porque o "homem" tem currículo. Aliás, já deveria ter lido vários livros dele, assim como fiz com os de Saramago. Por que não?
De que se trata? À medida em que vou adentrando o tomo vou me contagiando com seu linguajar denso, culto, profundo e seu objetivo de escrever para pensar a condição humana e desvendar o mistério da vida. É leitura para não se deter em cinco ou dez páginas. É para pegar e ir em frente e pôr os neurônios para funcionar. Primeiro encuquei com o título: por que Estrela Polar? Essa estrela destaca-se no céu e sua visualização tem sido associada a diferentes significados. Seu valor ultrapassou o apenas científico porque faz parte das crenças e culturas humanas. Teria presenciado tudo que vive na Terra, servindo de guia em algumas ocasiões. É uma boa dica, não é?
O título do livro já é um guia traçado pelo autor na busca de novas formas de procurar a verdade e a comunhão humana.
Ele conta a experiência desse "tu". Imagina que te encontras com alguém que não vias há tempo. Recordas com ele um passado comum. Percorrestes pela memória mil acontecimentos comuns. Ao despedirde-vos, esse teu amigo te diz que ele não é esse teu amigo mas um seu irmão gêmeo. Imediatamente uma alteração profunda se instala em vossas relações. Porém se te perguntarem em quê?, não é fácil responderes. Dirias que esse teu amigonão era ele, que era outra pessoa. Mas, quem, então? O corpo é igual em mínimos pormenores. As ideias, os sentimentos são iguais. Se é assim, deveria ser-te indiferente seres amigo deste como eras amigo do outro. Em que, porém, não é o outro? E eis que se te levanta agora flagrante essa coisa obscura que determina o "tu" de alguém.
O livro alimenta-se de tensão, de profundidade e insistência para que relancemos o olhar em redor e o canalizemos ao íntimo de nós mesmos, até se terem encadeados elos que levam à reflexão, á revelação, ao conhecimento. Max Scheler assegura que "as pessoas seriam diferentes umas das outras, ainda que se obtivesse uma coincidência perfeita e inteira entre os seus corpos e os totais conteúdos das suas consciências."
Repito o que já expus no princípio desta narrativa. A linguagem é densa, profunda e apela para seu bom senso e raciocínio. O livro é repleto de frases como estas: "Será mais cômodo assumir a covardia do que não assumir a coragem?" Ou esta: "Ah, nunca te apeteceu gritar sem razão ou chorar sem razão? — só porque alguma coisa é demais e tu não sabes e te sufoca". Ou ainda esta: "Sorriso primordial, de nada antes nem depois, original sorriso da evidência da vida."
Pela amostra, percebe-se o conteúdo da linguagem usada. Confesso que fiquei meio transtornada com a leitura do livro. Dois romances me deixaram amargurada ao final da leitura. Esse, Estrela Polar de Vergílio Ferreira e Angústia de Graciliano Ramos. Sabe essa sensação de tristeza, de abandono, de frustração? Talvez seja apenas eu a sentir esse incômodo e melancolia. Se quiser tirar a prova, procure o livro que ele está inteiro na internet. A mim, repito, a mensagem da obra trouxe-me um bafejo, um sopro de depressão, um desgosto da vida. Quem sabe eu não atravessava uma fase das melhores.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP