CABEÇA DE PORCO

Por Jornal Cidade de Agudos em 07/11/2024 às 17:31:30

Qual teria sido o fato mais comentado da semana que passou? Depende, seria a resposta mais plausível. Para mim, por exemplo, um acontecimento me causou estranheza e repúdio, dentre tantos outros também inusitados. Mas, como devo escolher apenas um, dada à característica insólita, vou ficar com o arremesso de estranho pacote, na segunda-feira, dia 04 de novembro, no gramado de um destacado estádio de futebol.

A maioria das pessoas que estiver lendo este artigo já deve estar sabendo a que fato me refiro. Não é todavia demais relembrá-lo, uma vez que nos leva a múltiplas conjeturas. Alguém, com mais criatividade, poderia escrever um tratado sobre o assunto, já que, dependendo da ótica, este episódio poderia gerar até uma monografia de mestrado. Isso para ficar no mínimo, porque, em se tratando de um escritor ou testemunha com um QI privilegiado, poderia gerar até uma tese de doutoramento. Estarei exagerando? Creio que não.

Mas, como não pretendo escrever nenhuma peça oratória, nem sequer uma simples monografia, vou ficar no aparente fato em si mesmo. Então, vamos lá. Estava eu vendo o jogo de futebol de Corínthians versus Palmeiras, transmitido pela TV, quando, inopinadamente, um pacote de considerável calibre foi atirado para dentro do gramado. Um dos jogadores mais afoito tentou dar um pontapé naquele troço, jogando-o para fora das quatro linhas. Para ser menos prolixa, vamos ao finalmente: aquele embrulho disforme, asqueroso acabou sendo identificado como uma colossal cabeça de porco.

Identificado o conteúdo do pacote, mais de 40 mil pessoas presentes no estádio, e possivelmente o triplo ou quadruplo de telespectadores, tiveram reações variadas. Para uns, provocou risos, para outros, nem tanto. Sem dúvida, o pacote visava a identificar os participantes do evento, ou uma parte específica dele, com imundície, sujeira, lixo. Quem teria sido o autor da brincadeira nem tão ingênua assim? Como teria conseguido entrar num estádio moderno, sofisticado com um embrulho grotesco, de aspecto tão nojento?

Isso é o que saberemos oportunamente. Por enquanto, só tomamos conhecimento que alguns autores do macabro espetáculo foram detidos e outros, pelo menos por enquanto, estão soltos. E daí? O caso vai acabar sem mais nem menos? O mandante do espetáculo, no caso o Corínthians, será punido? Não, porque não está envolvido na maquiavélica manobra. Foi apenas palco da tragicomédia. E os alienados autores da cena dantesca? Segundo soubemos, o caso a ser caracterizado como crime ambiental, incitação à violência e injúria, está sendo analisado para possíveis aplicações de penas.

Bem, amigo leitor, essa é a leitura do fato em si. Agora, cabe a você julgá-lo e tirar suas conclusões, o que não impede de expor as minhas. Com isenção de ânimo e sem fanatismo, acredito estarmos à beira da falência moral. As famílias deste Brasil estão cada vez mais impedidas de desfrutar de um divertimento sadio. As poucas opções de que dispomos, pouco a pouco estão nos tirando, transformando locais de prazer em verdadeiras arenas de lobos. Onde o fair play do futebol? Trogloditas estão invadindo os locais antes destinados a pessoas de respeito que só querem ter um pouco de alegria e distração.

Comportamento como esse descrito pormenorizadamente é inaceitável e pede punição. Existem mecanismos legais para buscar justiça e proteger direitos. Como é do conhecimento público que torcedores corintianos usam "carinhosamente" a palavra "porco" para a torcida palmeirense, ficou escancarada a intenção dos autores da façanha de identificar estes últimos com imundície, fedentina e quejandos. Essa ofensa pública, que nada mais é que crime de injúria, e que foi presenciada por milhares de pessoas, exige uma reparação. Os alienados autores desse espetáculo infeliz, ofenderam publicamente a dignidade e o decoro da torcida adversária. Isso se chama intolerância, ofensa pública, fanatismo, humilhação, ranço que não deve ter espaço em nenhuma sociedade de país civilizado.

Parafraseando Rui Barbosa, eu diria que de tanto ver prosperar as nulidades, de tanto ver crescer a insensatez, de tanto ver agigantarem-se as leviandades nas mãos dos ignorantes, chegamos a desanimar da virtude, a rir dos bons exemplos e a ter vergonha de ser decente.

Abaixo todas essas atitudes grosseiras, disruptivas, antissociais. Um salve à cordialidade, à gentileza, à elegância.

Dra. Maria da Glória De Rosa

Pedagoga, Jornalista, Advogada

Profª. assistente doutora aposentada da UNESP

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