Diz uma historinha grega que um sapateiro passou em frente a uma exposição de calçados e se pôs a comentar alguns defeitos nos sapatos expostos. O artesão ouviu as críticas e achou que o homem estava certo. Dias depois, ele voltou e tornou a criticar mais defeitos na loja do artesão. Foi, então que este serviu-se de uma frase de Apeles, que ficou famosa: "O sapateiro não deve ir além dos sapatos". Enquanto o homem que entendia de sapatos criticava coisas que estavam ao seu alcance, tudo bem, quando extrapolou aí, então, perdeu a razão.
Estou usando esta historieta para mim mesmo e para todos que se põem a falar sobre coisas que não entendem muito. Como pretendo entrar no assunto de urnas eletrônicas que está mexendo com o país, vou também deixar clara minha posição de leiga. Todo mundo fala, vou falar, por que não eu? Mas, tentarei ser parcimoniosa, muito mais que o sapateiro da historinha.
Citando outra frase popular, dizem que onde há fumaça há fogo. Ora, esse assunto das urnas eletrônicas está fazendo uma fumaceira danada, então, com licença para meu palpite. Há duas correntes sobre o assunto: a que defende fanaticamente as urnas eletrônicas e a que, da mesma forma, as ataca afirmando estar superadas. Qualquer assunto momentoso acaba cutucando nossos neurônios e empurrando-nos para uma posição. Não tenho receio de falar sobre o assunto porque, primeiro, serei ponderada e, segundo, porque pelo menos por enquanto, ainda estamos numa democracia.
Então, vamos partir dos defensores das urnas eletrônicas. Os togados insistem em afirmar que as urnas eletrônicas são seguras, são perfeitas, blindadas às fraudes, que não há perigo de serem contagiadas. Aqui no Brasil, qualquer assunto que escape um milímetro do rotineiro, vira polêmica. E os defensores são tão ardorosos, tão enfáticos, tão fanáticos que acabam até pondo dúvida na cabeça da gente. Vou fazer como aquele sapateiro grego que, em não se contentando em falar mal só dos sapatos, foi além. Sou como aquele indivíduo que Apeles lembrou, alguém que não entende nada de determinada matéria, mas que também quer dar seu palpite.
Na verdade, não entendo mesmo nada de eletrônica, mas vendo essas duas correntes se digladiarem, andei dando umas buscas e ouvindo o parecer de outras pessoas capazes. Tive oportunidade de ouvir uma entrevista no programa de Daniel Gentili, no SBT, onde este perguntava a um professor da UniCamp se ele achava que as urnas eletrônicas poderiam ser fraudadas. O professor foi rápido e seguro, afirmando em linguagem adequada e científica de que não havia a menor dúvida sobre isso. O entrevistador voltou ao assunto, apertou o professor tanto quanto seus conhecimentos de entrevistador permitiam e o entrevistado não tergiversou uma vez sequer. A sentença foi indefectível: as urnas eletrônicas podem ser fraudadas.
Não satisfeita com isso, continuei pesquisando. E parece que quanto mais pensamos no assunto, mais informações caem na nossa seara. Chegou-me às mãos um vídeo em que o entrevistado é Roberto Requião. Ele diz ter sido o autor do primeiro projeto de auditagem do voto nessas urnas eletrônicas novas que foram um sucesso quando implantadas. Ela evitou uma série de fraudes no início, mas foi superada como tudo neste mundo é superado. Os principais países rejeitam as urnas eletrônicas, como a Alemanha, a Índia também. Ela é primitiva, pode ser violada por um hacker que entra na urna e pode modificar a programação para favorecer um candidato. Ela pode sim ser violada por um grupos de técnicos do Tribunal Superior Eleitoral. Eles programam, eles podem fazer o que quiserem com a eleição. Eu não estou dizendo — diz Requião — que ela será violada, estou dizendo que ela pode, sim, ser violada.
O vídeo é meio longo, quase impossível de ser transcrito inteiro, mas Requião critica essa história de dizer que a urna é sagrada, é inviolável. Vou usar aqui as palavras dele: "sagrada, porra nenhuma!" Nesse vídeo, ele até sugere um novo tipo de eleição, mais seguro, que vamos deixar de lado porque escaparia à nossa propositura neste artigo. Fato é que Requião, com todo seu entusiasmo, seu sentimentalismo às vezes exagerado, propõe uma modificação nessas urnas para o bem da sociedade brasileira, para o nosso progresso. Eleição não pode ficar nas mãos de pessoas que nem sabemos bem quem são.
Como se vê, as opiniões não são unânimes nem poderiam mesmo ser. Nada nesse mundo admite opiniões arraigadas, que se fecham a novos argumentos, a não ser que isso venha trazer benefícios a alguém.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP