BIG BROTHER NA VISÃO DE BAUMAN

Por Jornal Cidade de Agudos em 30/04/2022 às 00:09:12

Para os que não estão lembrados, Zygmunt Bauman é aquele autor polonês, criador da teoria da Modernidade Líquida que fragiliza os laços humanos. A insegurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar e ao mesmo tempo afrouxar esses laços. Para ele, não parece correto apresentar à atual geração uma imagem luminosa e alegre de um mundo confiante e fiel — em desacordo com as estratégias da vida que lhes são apresentadas no dia a dia. Tomando como exemplo o mundo televisivo, será sempre preferível reconhecer-se nos atos e confissões de personagens que aparecem na onda de programas mais recentes, assistidos avidamente e altamente populares, como é o caso de Big Brother. Os personagens de tal programa passam mensagens duvidosas nas quais não parece oportuno confiar, entretanto mesmo assim passam a ser tratados como ícones e imitados, admirados pelos fieis seguidores da série.

Os fãs e adeptos dos "reality shows", no entender de Bauman, deveriam, segundo a maneira como os personagens são apresentados e agem, escorar-se nas características da vida humana atual que é encarar uns aos outros com suspeita. Esses espetáculos televisivos tomaram milhões de pessoas de assalto e capturaram sua imaginação. Antes, porém, séries dessa natureza não eram bem assim. Eram preferentemente ensaios públicos sobre a descartabilidade do ser humano e traziam prazer e advertência juntos com a mensagem de que ninguém é indispensável, ninguém tem o direito a sua parte dos frutos de um esforço conjunto apenas por ter contribuído ao seu crescimento. Segundo Bauman, no Big Brother vida é um jogo duro para pessoas duras. Nesse seriado da moda (considere que este já é o 22º. episódio, se não me falha a memória, e continua como campeão de audiência), cada jogo começa do zero e méritos passados não contam. Cada jogador está por conta própria e para chegar no topo deve primeiro colaborar na exclusão de muitas pessoas que estão bloqueando o caminho — mesmo aquelas com quem tiveram de cooperar, abandonando-as, depois, derrotadas e inúteis. Não há compaixão, piedade, comiseração nem pena com a derrota do outro. "Se você não for mais duro e menos escrupuloso do que todos os outros, será liquidado por eles, com ou sem remorso.

Os outros são competidores, cavando buracos, armando emboscadas, torcendo para que os demais venham a tropeçar e cair. São de muitos tipos os trunfos que ajudam os vencedores a superar a concorrência, variando da autoconfiança à autoaniquilação. Estamos de volta ao mundo darwiniano onde é o mais apto que sobrevive. Bauman averte que se os jovens de nosso tempo fossem ledores de livros mais antigos, particularmente esses que não estão na lista dos mais vendidos, tenderiam a concordar com a imagem pintada por Leon Shestov, exilado russo e filósofo da Sorbonne: "Homo homini lúpus é uma das máximas mais inabaláveis da moral eterna. Em cada um de nossos vizinhos tememos um lobo...Como podemos deixar de ter medo?" Como fizeram muitos e se tornou o programa Big Brother, este é um mundo duro para pessoas duras. Um mundo onde um tenta passar a perna no outro.

O mundo mudou muito. A insegurança inspirada por essa fragilidade de laços humanos estimula desejos discordantes, como dissemos no princípio, quando o indivíduo acaba entrando em conflito consigo mesmo. Graças a ele esses fenômenos se tornaram inteligíveis, ainda que deprimentes. Sua visão de um mundo líquido convenceu muitas pessoas. Ele se tornou contra a própria vontade um guru, celebrado por abrir nossos olhos para certos fenômenos sociais, por sensibilizar o público para aquilo que não queria ver — um antídoto ao consumismo, uma lente através da qual se podia ver a pobreza, compreender a desigualdade e a discriminação, segundo palavras de sua biógrafa Isabela Wagner. Mais do que uma mera constatação seus livros foram um precioso alerta.

Dra. Maria da Glória De Rosa

Pedagoga, Jornalista, Advogada

Profª. assistente doutora aposentada da UNESP

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