A VIDA NÃO É UMA HISTÓRIA

Por Jornal Cidade de Agudos em 21/04/2023 às 18:39:33

Qual o significado da existência? Quando buscamos o sentido da vida queremos uma narrativa que explique nosso papel no drama cósmico. Não vamos discorrer aqui o que as variadas religiões dizem a respeito da vida de cada um. Toda narrativa é incompleta. Para dar sentido à minha vida, uma narrativa precisa satisfazer duas condições. Primeiro tem de dar a cada um algum papel. Como as estrelas do cinema, os humanos gostam dos roteiros que reservam papel importante para eles. Segundo, uma boa narrativa tem de se estender além dos nossos horizontes e nos incorporar a algo maior do que nós mesmos.

A maioria das histórias bem sucedidas nunca se fecham. Ao explicar que o mundo repousa nas costas de um grande elefante, você deve antecipar-se a perguntas mais difíceis, descrevendo que quando as orelhas do elefante se agitam, elas provocam furacões e quando o elefante treme de raiva terremotos sacodem a superfície da Terra.

Quando você se interessa por uma história, você se interessa pelos mínimos detalhes, ficando cego a tudo que fuja desse escopo. Comunistas devotados podem passar horas debatendo se é permitido fazer uma aliança com sociais democratas, mas raramente param para pensar sobre o lugar do proletariado na evolução da vida mamífera do planeta ou na disseminação da vida orgânica pelo cosmo. Considerando tudo que sabemos sobre o Universo e as pessoas, uma narrativa que ignore o Big Bang, a física quântica e a evolução da vida é uma minúscula parte da verdade. Mas, as pessoas conseguem não enxergar além disso.

Bilhões de pessoas acreditaram que para que suas vidas tenham sentido elas nem mesmo precisam estar absorvidas numa nação ou num grande movimento ideológico. Basta que deixem alguma coisa após sua passagem, asseguram que suas histórias pessoais continuam após a morte. Se eu vou renascer num corpo, após a morte de meu corpo atual, então a morte não é o fim. Algumas pessoas pretendem deixar alguma coisa um pouco mais tangível, que poderia ser um poema, um livro, filhos. A maior parte dos organismos que já existiram se extingue sem deixar nenhuma herança genética.

Quem sabe se não pudermos deixar algo tangível como um poema ou um gene, seria suficiente apenas tornar o mundo um pouco melhor. Você pode ajudar alguém e essa pessoa poderia ajudar outra, e você terá contribuído para a melhora geral do mundo. Perguntaram a um homem idoso e sábio o que tinha aprendido sobre o sentido da vida. "Bem", ele respondeu, "aprendi que estou aqui na Terra para ajudar outras pessoas. O que ainda não descobri é porque outras pessoas estão aqui."

A pessoa que você ama é apenas um ser humano, não diferente em essência das multidões que você ignora todos os dias no supermercado, no metrô. Poetas místicos frequentemente confundem amor romântico com união cósmica, escrevendo sobre Deus como um amante. Poetas românticos escrevem sobre as pessoas amadas como se fossem deuses. Se você está apaixonado por uma pessoa, não está nem aí para o sentido da vida.

Se você perguntar qual o sentido da vida e obtiver como resposta uma narrativa, a resposta está errada. Toda história está errada simplesmente por ser uma história. O universo não funciona como uma história. Assim se você quer saber a verdade sobre o universo, sobre sua própria vida, o melhor é começar explorando o sofrimento e o que ele é. Somos ruins em perceber a diferença entre ficção e realidade. A grande questão para a humanidade não é ""qual o sentido da vida", mas "como acabar com o sofrimento". A coisa mais real do mundo é o sofrimento. Mas, isso é assunto para outro artigo.


Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP
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