Se há uma coisa que não consigo entender é a jactância de certas pessoas perante a vida. Conheço muita gente que se julga modelo, indivíduo que quer servir de exemplo, manequim a ser imitado pelos outros. Fico até com vergonha quando vejo homens ou mulheres se autoelogiando e citando-se como norma. Há palavras que me dão asco de ouvir, por exemplo quando alguns pedantes proferem frases como esta: "—Se tivesse que viver de novo faria tudo exatamente como fiz!"
Ah! Pelo amor aos seus amigos que não são obrigados a ouvir babaquices como essa! Então, há pessoas nesse mundo que não erram, que não fazem coisas pela metade, que não são passíveis de nenhuma correção? Há tanta coisa neste mundo que poderíamos fazer melhor. Ser mais tolerante, mais humilde, mais compassivo, menos avarento, menos vagabundo, menos carrancudo, e por aí vai...
Vamos propor outro tipo de pergunta. Uma pergunta mais específica, mais direcionada. Não quero saber o que você faria se viesse a viver de novo. Propomos outro tipo de pergunta: "—Se você vivesse de novo, o que procuraria fazer de melhor?" Meu Jesus! Há tanta coisa que cada um poderia fazer para melhorar sua passagem aqui nesta vida cheia de violência, ingratidão, corrupção, mentira, indiferença, maus tratos, e por aí vai...
Há uma passagem num livro de SomersetMaugham onde ele encontra, numa cidade da Espanha, um menino na rua, solitário, cujo nome era o que lhe haviam dado no asilo. E ele chama o garoto para este lhe mostrar a cidade. E pergunta-lhe como ele vive. Este responde que, às vezes, alguém lhe dá um dinheirinho, que tem fome de quando em quando, mas prefere morrer a voltar para o asilo. Disse que dorme na rua e no inverno dá um jeito, pois havia um barracão que não era fechado e podia entrar lá quando quisesse. Falava pelos cotovelos, nada para ele tinha importância, não somente era brincalhão, mas também alegre. Então, quando chegaram perto da estrada ele saltou do carro e desejou "boa viagem" ao senhor que iria seguir seu caminho. Este o recompensou por lhe ter mostrado a cidade. O encontro foi tão inesperado e a história com o menino tão estranha que aquele senhor nem teve tempo para pensar melhor. Quando já era tarde demais desejou que ao invés de umas poucas pesetas ele deveria ter-lhe dado dinheiro suficiente para viver um mês ou dois ao menos. Desde então aquele senhor não consegue deixar de pensar no menino. E fica matutando que talvez o garoto nunca perca a cabeça, fique passando de um patrão a outro, ora bem acolhido ora maltratado, passando de uma aventura improvável a outra, sempre com seus claros olhos vivos tentando aproveitar uma oportunidade passageira e fazendo-se à sua maneira senhor do mundo.
Se a atitude daquele senhor tivesse sido outra, outro também poderia ter sido o destino do garoto. Se pensássemos um pouco, quanta gente já dependeu de nós e, por negligência deixamos passar a oportunidade de auxiliar, de, através de um gesto, mudarmos a sorte ou a direção de muitos.
Dia desses me peguei pensando o que eu faria da minha vida se tivesse uma segunda chance. E pensei que seria mais caridosa e carinhosa. Haveria de distribuir não só coisas materiais, mas, sobretudo carinho, afeto, amor. Sorriria mais, agradaria mais as pessoas, daria mais atenção a todos e, sobretudo auxiliaria, de todos os modos ao meu alcance, às pessoas do meu entorno. Seria mais pródiga em palavras doces, carinhosas. Com minha família e amigos principalmente, amaria mais, usaria mais vezes palavras suaves, amenas. Por que será que temos dificuldade de falar "Eu te amo!" Quantas vezes você usou essa expressão para seus pais, para um irmão, para um amigo? Nenhuma. Poucas vezes. Se der para remediar, faça isso. Se for tarde demais o cavalo passou encilhado, parou e, por qualquer motivo, não o montamos. O que pode amenizar um pouco nossa dureza, nossa dificuldade em envergar a cabeça, é distribuir um pouco de amor ao tempo que ainda nos resta sobre esta terra de incompreensão e insensatez. Sempre é tempo de amar. E não se esqueça: Amar não é receber, é dar.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP