PROFECIAS DE CASSANDRA

Por Jornal Cidade de Agudos em 05/11/2022 às 14:02:43

Cassandra era a mais inteligente filha do rei troiano Príamo. Por ela Apolo apaixonou-se e, o que nunca acontece nos mitos gregos, ela resistiu às suas propostas amorosas. Apolo, então, tentou suborná-la. O que ele poderia oferecer-lhe, já que ela era uma princesa? Era bela, rica e feliz. Apolo ofereceu-lhe, em troca, o dom da profecia ao que Cassandra aceitou. Obtida a concessão, Cassandra não cumpriu a aposta, enfurecendo Apolo que, para castigá-la, retira-lhe o dom de persuasão: ninguém daria crédito a suas profecias, embora verdadeiras. Essa medida, tomada por Apolo foi a que encontrou para punir Cassandra, uma vez que concedido um dom um deus não poderia mais voltar atrás. Digam o que disserem deles, os deuses costumam cumprir as promessas.

Que destino cruel, então, esse de Cassandra. Ela prediz a ruína de Troia e a morte de Agamenon, valente guerreiro grego, mas ninguém lhe dá crédito. Ela até prevê sua morte prematura, mas não lhe dão atenção. Riram dela. Gregos e troianos chamavam-na "a dama das muitas tristezas". Hoje talvez a chamassem de "uma profetiza do abismo e das trevas".

Há um momento muito belo da mitologia grega, quando ela não consegue compreender como é que suas profecias de catástrofe iminente — algumas das quais, se levadas a sério, poderiam ser evitadas — eram ignoradas. Ela diz para os gregos:

"Como é que vocês não me compreendem? Conheço muito bem a sua língua." O problema não era a pronúncia do grego. A resposta foi, mais ou menos, a seguinte: Veja, até o oráculo de Delfos, às vezes, comete erros. Em alguns casos, suas promessas são ambíguas. Não podemos ter certeza. E se não podemos ter certeza a respeito de Delfos, certamente não podemos ter certeza a respeito do que você diz. Isto foi o máximo que Cassandra conseguiu obter como resposta substantiva. Agamenon, como Cassandra previra, ao voltar para Micenas, foi assassinado por Clitemnestra.

Se isso ocorreu com os gregos, o mesmo se pode dizer do que aconteceu com os troianos: "Profetizei a meus conterrâneos todos os seus desastres." Eles também ignoraram as suas previsões. E foram destruídos. Pouco depois, ela também o foi.

A resistência à profecia funesta experimentada por Cassandra pode ser reconhecida nos dias atuais. Se somos confrontados por uma predição nefasta envolvendo forças poderosas que não podem ser prontamente influenciadas, temos uma tendência natural a rejeitar as profecias. Mitigar ou contornar o perigo exigiria tempo, esforços, dinheiro, sobretudo, coragem, disposição. Poderia ser que alterássemos as prioridades de nossas vidas. E nem toda predição de desastre, mesmo entre aquelas feitas por cientistas, historiadores, analistas políticos, se concretiza: a maioria da vida animal nos oceanos não morreu devido aos inseticidas; apesar da Etiópia, a fome mundial não foi a marca registrada da década de 1980; a produção de alimentos do sul da Ásia não foi drasticamente afetada pela queima dos poços petrolíferos do Kuwait em 1991; os meios de transporte supersônicos não constituem ameaça à camada de ozônio — embora todas essas previsões tenham sido feitas por cientistas renomados. Assim, quando somos confrontados com uma nova e incômoda profecia, somos tentados a dizer: "Improvável!" "Nunca experimentaremos nada nem remotamente parecido." "Essa possibilidade é risível, nada disso ocorrerá!" "Tentando assustar todo mundo."

Além disso, se os fatores que precipitam a catástrofe forem de anos, então a própria profecia, por si só, é uma censura tácita, silenciosa, indireta. Como essas ruminações são incômodas aos nossos propósitos e aspirações, há uma tendência natural, embora ruim para a adaptação, a rejeitar todas as previsões e vaticínios. Serão necessárias maiores e melhores evidências para que levemos a questão a sério. É grande a tentação de minimizar, descartar, esquecer. Os psiquiatras têm plena consciência dessa tentação. Dão-lhe o nome de "negação".

Quem tem um mínimo de capacidade de inferência, suposição, dedução, já deve ter relacionado o núcleo deste texto com a situação política que o Brasil atravessa, pós eleição. Se você não fez essa relação, de duas uma: ou não fui suficientemente habilidosa ao escrever a matéria ou você não soube pescar nas entrelinhas. Supondo que minha habilidade não tenha sido assim tão tosca, aconselho o leitor a uma releitura da narrativa. Das crises políticas que já atravessamos neste país, a menos que sejamos muito mais imbecis do que imagino, deverá resultar, para o bem de nossa longa infância, pelo menos uma tomada vigilante e diuturna de posição. Sob pena de uma catástrofe aos moldes troiano, mantenha os olhos abertos, uma vigilância constante, fiscalização cerrada. Diz o provérbio que quando o caboclo dorme, o cachimbo cai... É essa inércia quem nos tem feito perder o bonde veloz da história!

Dra. Maria da Glória De Rosa

Pedagoga, Jornalista, Advogada

Profª. assistente doutora aposentada da UNESP

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