É com imensa tristeza que escolhi o título do artigo de hoje. Sentindo, cada vez mais, que o mundo está dando uma guinada surpreendente em relação aos valores humanos, a inquietação, muitas vezes, tira-me o sono. Estou realmente preocupada, embora esteja ciente de que, se certas predições vierem a ocorrer, os momentos mais horripilantes do planeta não serão a curto prazo, portanto, não estarei mais aqui. Triste consolo, não é mesmo? Não obstante, sofro por antecipação, porque o que pretendem fazer deste planeta é deveras preocupante...
Acredito que a maioria da população ainda não tenha se dado conta de que estamos caminhando para um materialismo duro, insensível, que parece não ter mais volta. Os livros que hoje se constituem em verdadeiros best-sellers são justamente os que enfatizam a inexistência de Deus e da alma. Os argumentos apresentados são sempre bem postos e com argumentos enquadrados dentro da ciência, principalmente da biologia.
Claro que, num artigo despretensioso como este, não temos intenção de objetar o surgimento de um possível panorama sombrio e muito menos encontrar argumentos para desmentir o descortino de dias cinzentos... situações propostas pelos cientistas contrários ao liberalismo/humanismo. Segundo eles, uma ameaça prática é a de que o homem vai acabar perdendo totalmente seu valor. Explicando melhor: para as seitas humanistas, a experiência humana é a fonte da autoridade e do significado, mas ao se espraiar, fragmenta-se em seitas conflitantes: humanismo ortodoxo, socialista e evolucionista. Para o humanismo, cada homem é um ser singular ao qual devemos dar a máxima liberdade. Quanto mais liberdade possui, mais rico e belo será o mundo. Por conta dessa ênfase na liberdade, o ramo ortodoxo é chamado de "humanismo liberal" ou "liberalismo". Entendido isto, partamos para outras análises correlatas. Os liberais acreditam no livre-arbítrio e isso, dizem os materialistas, não se acomoda com o desenvolvimento das ciências modernas. Segundo a teoria da evolução, as escolhas que os animais fazem refletem seu código genético. Sinto um desejo brotar dentro de mim porque esse é o sentimento criado pelos processos bioquímicos do meu cérebro. Para provar o que dizem, alegam ser possível usar scanners de cérebro para predizer desejos e decisões das pessoas, antes de elas terem consciência disso. Com isso, abalam a crença liberal no livre-arbítrio e também a crença no individualismo. Não existe sujeito livre. A cada momento, os mecanismos bioquímicos do cérebro criam um lampejo de experiência, que desaparece, para, em seguida, dar lugar ao aparecimento de outro. O liberalismo está ameaçado por tecnologias concretas, que farão com que os seres humanos sejam inúteis.
Nas guerras, nas linhas de produção o ser humano contava. Hoje, os exércitos modernos apoiam-se na técnica: um número reduzido de soldados e um punhado de especialistas sabem como utilizar tecnologia de ponta. Até o carro autônomo em breve estará mais apto a se sair melhor que o motorista humano. O liberalismo, dizem eles, entrará em colapso no dia em que o sistema me conhecer melhor do que eu mesmo me conheço. O que não é nada difícil, uma vez que a maioria das pessoas não se conhece bem. Um estudo recente encomendado pelo Google apontou que o Facebook é melhor juiz das personalidades humanas do que amigos, pais e cônjuges. Essa pesquisa encomendada foi assim concluída: "As pessoas poderiam abandonar os próprios juízos psicológicos e se fiar nos computadores ao tomar decisões importantes na vida como escolher atividades, carreiras e mesmo parceiros românticos. É possível que essas decisões propiciadas por dados venham melhorar a vida delas".
As previsões não param por aí. Chegam a um ponto em que a tecnologia tomará conta do ser humano. O que acontecerá quando a inteligência artificial suplantar a humana na maioria das tarefas cognitivas? Qual será o impacto político de uma nova classe de pessoas economicamente inúteis? O que acontecerá com a sociedade humana quando a biotecnologia nos permitir ter bebês projetados? Há ainda tantas perguntas a fazer e nenhuma resposta a ser dada... Aos interessados no assunto indico a leitura de Homo Deus de Y.N. Harari, da Cia. das Letras. Mas, que seja lido com razoável espírito crítico, sem deixar de lado o contraditório.
Fiquem, porém, tranquilos. É quase impossível predizer o futuro. E, contra os objetores do humanismo, principalmente daqueles que preveem a robotização do planeta, temos também uma quota de homens justos. São seres humanos com mais do que simples candor e espírito público, que viveram e se consumiram pela causa humana. Poderemos apontar erros deles, em suas opiniões e julgamentos, em suas próprias vidas, mas permanecerão como grandes exemplares de homo sapiens com paixões, objetivos e valores iluminados. Essa discussão está apenas no começo. A cada um o seu ponto de vista.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP