Gosto de ler sobre a vida do escritor porque ela explica muita coisa contida em seus escritos. Há algumas semanas, escrevi sobre Ernest Hemingway, revelando muita coisa sobre sua intimidade. Hoje vou passar ao leitor alguns comentários sobre um resumo de um conto dele bem curto e revelador. O nome do conto: "Evan Shipman no Lilas".
Hemingway não poupava ninguém. Esse conto ao qual me refiro começa com comentários sobre alguns escritores. Supõe-se que esteja conversando com alguém num bar. Hemingway realmente está no Lilas com Evan Shipman e é lá que se desenrola esse diálogo meio monótono onde surgem críticas pesadas sobre outros autores. Os contos de Katherine Mansfield, por exemplo, são como cerveja choca perto das águas claras de Tchékhov. Em Dostoiévski há coisas verossímeis, outras nem tanto. E prosseguem nas negativas: "a Cartuxa de Parma" de Stendhal é tedioso na maior parte. E assim vão jorrando as críticas a escritores famosos e, o que é pior, fazem questão de gravá-las também.
Evan parecia topar em cheio com as amarguras de Hemingway porque, em dado momento diz que Dostoievsjki era um "merda": os heróis de suas literatura são uns santos e uns merdas como ele, consegue criar uns santos admiráveis, pena que a gente não consiga reler seus livros.
É interessante como as opiniões alheias não são sempre iguais umas das outras. No caso em tela os dois companheiros escolhem figuras em evidência, muitas das quais ocupavam o pódio da literatura. Lembro-me de ter lido uma vez que Mansfield era muito apreciada, até mesmo por Clarice Lispector no início de sua carreira. Virgínia Wolf certa vez comentou de não ter gostado de "Ulisses" de Joyce. É comum essa disparidade de opiniões, às vezes até mesmo por um pouco de inveja do sucesso do competidor. Complementando esses ataques gratutitos, Heminqway, no mesmo conto, onde parece ter pegado Dostoievski para malhar, referindo-se a ele diz que não sabe como é possível escrever tão mal e ainda assim comunicar tanta emoção.
Quem conhece bem a vida de Ernest Hemingway não estranha esses arroubos e outras inconfidências que ele narra em seus escritos. Ele sempre foi um homem irrequieto, meio instável. Nascido em 1899, em Illinois, nos EEUU, engajou-se na guerra de 1918. Foi admirador de Cuba, casou-se quatro vezes e enfrentou altos e baixos na carreira de jornalista e escritor, inclusive teve escritos rejeitados por editoras. Teve, porém, sucessos retumbantes com livros como "Adeus às armas", que lhe permitiu viver um período de luxo. Depois de 10 anos de silêncio, escreveu "Doutro lado do rio, entre as árvores".
Não podemos negar valor a quem, como ele, recebeu o Nobel de Literatura. Todos os seus personagens se defrontam com o problema da "evidência trágica". Morou em vários países, inclusive dois anos depois de estar em Cuba é que recebeu o prêmio máximo de literatura. Esse homem atormentado, que já havia sentido o impacto do suicídio do pai, quando estava em Cuba, em 1961, tomou do fuzil de caça e disparou contra si mesmo. Como se vê, sobram episódios dramáticos e trágicos na vida desse famoso escritor, que não podem ficar separados de suas obras.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP