Tenho certeza de que grande parte dos leitores deste artigo, nunca ouviu falar do cronista Flavio Rangel um escritor talentoso que enquanto viveu esbanjou criatividade no teatro, na televisão, no jornal, no cinema. Durante minha permanência na Universidade, para espantar um pouco minhas leituras obrigatórias, nas horas vagas lia texto desse cronista para me distrair um pouco e, mais que isso, me divertir. Flavio Rangel, através de seu humor ensinava a vida ser mais leve. Seus textos desmascararam, denunciaram, puseram a nu as imposturas que nos cercavam e continuam nos cercando atualmente. Bem se diz que o cronista tem olho clínico e vaticina um mundo ainda por chegar, além de denunciar com muita habilidade as mazelas e extravagâncias de um povo.
Vasculhando a minha biblioteca sempre reencontro joias valiosas como este livro de Flavio Rangel, A Praça dos Sem Poderes, editado em 1980, mas atualíssimo. O papel da crônica é fotografar o momento, captar o acontecimento no instante em que ocorre, mas fixar os acontecimentos para o futuro. A crônica registra nos seus rabiscos os abalos do movediço e instável terreno da vida. Assim funciona a crônica de Flavio Rangel. Ela é a praça dos sem poderes, o ponto de encontro de todos os que sofrem as consequências dos que têm poderes até demais... É a voz daquele que estão emudecidos pelos mandatários, porém não amortecidos. Estaríamos muito distantes do Brasil de agora?
Engraçado isso: o que valeu para nosso país ontem continua valendo atualmente. Numa de suas crônicas Rangel diz que o presidente precisa ajudar seus compatriotas jornalistas, falando de vez em quando uma coisa engraçada para que se possa escrever crônicas. E diz que toda vez que X abre a boca, é um motivo de satisfação para a imprensa leve. Para o colunista então é um prato cheio. Depois disso, a gente é levada a fazer um exercício de memória e relembrar quantas patacoadas tivemos de ouvir de nossos mandatários de fazer-nos rachar de rir e, outras vezes, de fazer-nos rubros de vergonha. A internet está aí, registrando frases aos montes, que até assustam os mais incrédulos.
"Tudo tem sua lógica — diz Rangel, referindo-se à fome do brasileiro —, se as pessoas não têm o que comer, pra que dente? Já se podem registrar, portanto dois representantes do mundo animal que não têm dente: galinha e brasileiro pobre". Mas, Flavio Rangel não é só gozação, blague. Há uma crônica, por exemplo, lindíssima, chamada "Desejos de domingo": "Queria um domingo em que os raios do Sol iluminassem e aquecessem nosso país, e que os raios desse Sol tivessem a capacidade de abrandar ódios e diminuir rancores. (...) Um domingo de um Sol tão generoso que tocasse o que resta ainda de infância no coração de um terrorista e que o fizesse usar apenas a mão que afaga e não a que apedreja."
Se gostou de conhecer Flavio Rangel posso procurar mais pérolas e publicá-las para você. Até mais tarde. See you.