A vida é como uma lata de sardinha, escreveu o ator e dramaturgo inglês Alan Bennett, nós todos estamos procurando o abridor. Essa frase é para os insatisfeitos, amargurados que vêm na existência uma prisão, um desconforto. Espero que o leitor não se encaixe nessa armadilha. Que tal esta outra frase: A vida não é uma pergunta a ser respondida, é um mistério a ser vivido. Mais filosófica, mais amena, não? Pudera! Quem é o autor? Buda, líder espiritual, mais filósofo e menos sarcástico. Já que estamos adentrando 2024, por que não repensar cada instante já vivido, já comemorado, já discutido como um pedaço de tempo a ser reinventado?
Se fôssemos viver novamente esse tempo já consumido não deveríamos repetir os mesmos erros, as mesmas fraquezas. Nossa obrigação seria exacerbar os momentos deliciosos onde uma pontinha de ternura, uma gota de amor, um instante de serenidade tivesse matizado aquele ontem não muito distante. Aquele casamento, aquele batizado, lembra-se? Aquela viagem, aquele reencontro com a pessoa amada, aquele aviso de gravidez avisando a vinda de um novo herdeiro... A vida tem muitos momentos lindos, delicados gostosos de serem revividos com o mesmo sabor de a primeira vez. Por que evocar pedaços amargos, dolorosos que não merecem reminiscência?
Quero fazer um trato com você, leitor, que nestes anos já vividos reservou-me alguns instantes de sua atenção, lendo alguns textos meus. Você que, embora fugazmente, me deu crédito e acreditou em mim um minuto que fosse. Vamos fazer um trato não comprometedor. Um trato singelo, nada agressivo nem perigoso. Vamos simplesmente combinar de ler um ou dois livros edificantes nesse primeiro semestre. Apenas isso. Posso ajudá-lo nesta busca. Ler um livro de um bom autor nacional. Que tal Clarice Lispector? Poderia ser "A Hora da Estrela", por que não? Conhece Clarice Lispector, escritora ucraniana, naturalizada brasileira, grande nome da literatura nacional? Saída das maquinações da autora, a personagem Macabéa não pode continuar ignorada. É tão carismática como qualquer outro da literatura sul-americana. Não tem o livro? Vá a uma biblioteca pública, tome-o emprestado de quem o tem esquecido na estante. Quem sabe faz a hora. Uma vez conhecendo Lispector e alguns de seus personagens não irá querer parar por aí.
Mas, ficar na leitura de um só livro durante todo o semestre? É pouco. Que tal ler Mario Vargas Llhosa, peruano, um dos maiores escritores latinos ainda vivos? Desse romancista, Prêmio Nobel de literatura, apresento-lhe uma obra autobiográfica, quiçá uma das mais criativas do autor, "Tia Júlia e o escrevinhador". Tem coisa mais melodramática do que um rapazinho de 18 anos que se apaixona pela irmã da mulher do tio, uma divorciada de pouco mais de 30 anos?
Certeza absoluta que o leitor lucrará muito intelectualmente se vier a conhecer essas obras literárias. Se contudo encontrar dificuldade para achar os livros citados, que venha a substituí-los por outros e nosso trato não será rompido. O que não poderá acontecer é deixar de dedicar-se à leitura, de enriquecer seu espírito. Combinado?
Vamos começar bem 2024. Não prometa coisas que jamais cumpriria. Suponhamos que cada estrela do firmamento corresponda a uma boa intenção para este ano. Uma representaria o enriquecimento cultural, outra os cuidados com o corpo, outra ainda a intenção em fazer caridade, e por aí vai. Devagar, evitando longa lista de intenções não acabaremos caindo no vazio. Abrace a vida de acordo com o comprimento de seus braços. O céu está cheio de estrelas faiscando, mas que brilhem serenamente, cada uma por sua vez. Tudo tem sua hora e seu tempo.
Espero que no decorrer deste primeiro semestre o leitor leia os livros indicados. Quantos cumprirão nosso trato? Só o tempo dirá.