VOU ME EMBORA PRO SERTÃO

Por Jornal Cidade de Agudos em 18/04/2024 às 12:35:05

Do jeito como as coisas estão neste país, o melhor mesmo seria fazer uma trouxa e sair de fininho, como diz o caboclo. Arre! Que confusão é essa, meu Senhor? Desconheço este Brasil dividido onde as pessoas não se entendem mais. O ódio parece ser o combustível mor, impulsionando as pessoas que se digladiam politicamente, um lado querendo engolir o outro.

Assim não vai dar para viver, não. Não vai dar mesmo. Até as autoridades maiores, aquelas que ficam lá em cima no topo, ditando as leis, assumiram descaradamente um lado dessa divisão e, em vez de legislar, ficam futricando e puxando a sardinha para onde é mais vantajoso. Coisa mais asquerosa! Juiz não pode ter partido, ministro não pode ter preferência por este ou por aquele cidadão. Todos são iguais perante a lei. Tenho até vergonha de estar falando o óbvio. A Justiça não tem partido, está onde deve estar, altaneira, sem pender para um lado nem para outro. Não é possível viver desse jeito, sem sossego, sem uma lei que se aplique a todos, da mesma maneira e sem privilégios, sem distinção.

Quando cursei a Faculdade de Direito tinha as melhores intenções, tinha sonhos, anseios de justiça e nem havia mesmo me decidido que carreira seguir, se a das leis ou a do magistério, posto que um outro curso me dava essa possibilidade de ajuizar. Minhas expectativas, quanto ao curso de Direito, com o tempo, foram esvanecendo, murchando até se transformarem em verdadeiras folhas ao vento. Percebi que as leis haviam nascido para não serem cumpridas e que havia um monte dessas normas inúteis, de inúmeras leis que só ficavam no papel. E o que é pior, descobri que muitas leis eram mal interpretadas, descumpridas, escamoteadas, jogadas no lixo. Havia sempre alguém mais esperto, que arrumava um jeito de escapar da ordem e do direito e sair bem na fita. Eu mesma fui vítima dessas interpretações duvidosas da lei, quando um "colega" soube, com esperteza, me cobrar pecuniariamente por um serviço do qual eu já não mais fazia uso. A displicência em não guardar recibos, cópias de mensagens foi ladinamente aproveitada pelo mais esperto e mal intencionado. A palavra não valeu nada porque já não estávamos mais na época do fio de cabelo como documento. O Direito infelizmente é uma carreira onde espertalhões conseguem fazer o falso parecer verdadeiro e vice versa.

Hoje no Brasil estamos atravessando uma fase inglória da justiça em que uma coleção de erros estruturais vai gerando falhas umas atrás de outras, deixando-nos perdidos, sem saber distinguir o certo do errado. Um erro gera outro, e assim se sucedem emaranhados de falhas dos quais não é mais possível sair ou entender.

Um dos problemas cruciais atualmente é o da liberdade de expressão. As pessoas têm medo de perguntar ou de querer saber. Não há mais liberdade de inquirir sobre a lisura ou não das eleições, por exemplo. Isso se transformou num assunto tabu. Tocar nele significa expor-se ao calabouço. Ora, façam-me o favor! O STF apresenta-se como um bicho papão, amedrontador. A justiça está aí para amparar-nos não para assustar-nos. Faço jus à figura de Marco Aurelio Mello e sinto saudade da época em que esse ministro legislava. Ele nunca abusou do poder, exercendo-o em favor da liberdade do ser humano. É um absurdo um juiz, um ministro, por exemplo, achar-se o árbitro da verdade. A verdade não está subordinada ao que o juiz pensa ou acha. Não pode ser torcida, não pode ser usada com segundas intenções.

Sinceramente, do jeito como as coisas se desenham, a democracia está cada vez mais distante de seus objetivos. A imunidade parlamentar dos deputados tem sido violentada constantemente. Empresas não têm condições de discutir penas impostas, porque lhes falta acesso ao teor das acusações. A figura inatacável é a do juiz, do ministro. A lei, ora a lei... lembram-se dessa expressão?

Ah! A História... nunca é demais lembrar os bancos escolares. L"État c"est Moi. O Estado sou Eu, dizia Luís XIV da França, Le Roi Soleil, o Rei Sol, aquele que exigia todas as coisas girando em torno unicamente dele. Alguns historiadores querem suavizar o peso da frase, afirmando que Luís XIV não teria dito isso. Porém, se o falsificador está esquecido, sua invenção não parou de ser utilizada.

Ir embora pro sertão, esquecer este Brasil maltratado, bucha de canhão para um despotismo, para uma autocracia, é o melhor caminho? Quem não luta pelo que quer tem de aceitar o futuro que vier.

Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP
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