Pode parecer estranho o título escolhido para este artigo. À medida, porém, que adentrarmos no tema nos posicionaremos, esclarecendo o que possa parecer meio obscuro. Terra não tem nada a ver com dados, é o que parece.
Antigamente, a terra era um dos ativos mais importantes do mundo. Sempre nos vem à memória uma cena de "E o vento levou", um dos mais belos filmes que o cinema já produziu. Rodado em 1936, evocando a Guerra de Secessão nos EUA, anos 1860, e baseado na obra do mesmo nome, o filme é uma história sobre o fim de uma civilização, de um estilo de vida, que foi levado pelo vento. A cena a que nos referimos é marcante. A protagonista, Scarlet OHara, ao final da guerra que dizimara Tara, a fazenda em que ela e a família viviam, percebe que tudo foi dizimado. Não há mais comida nem mantimentos. Desesperada, ela sai da casa e vai para o campo de nabos, onde tudo estava destruído. Mas, a fome é tanta que ela arranca um nabo murcho da terra e sem pensar tenta comê-lo. É então que, numa cena impactante, se ajoelha, revolve a terra com as mãos, e jura que jamais passará fome novamente e que não conseguirão
Realmente, aquela era uma época em que a terra era um atrativo, um bem insuperável, e a política era um esforço para controlar a terra e evitar que muitas delas acabassem se concentrando em poucas mãos. Nosso país não ficou imune a esse "modus operandi". Não eram poucos os chamados "coronéis" que ordenavam aos escravos tomar as terras dos "grileiros", estes, por sua vez, usurpadores das terras dos índios. Daí os numerosos latifúndios, os barões da borracha e do café, nenhum deles com escrituras razoavelmente imaculadas. Durante essa fase, a quase totalidade da sociedade dividiu-se em aristocracia e pessoas comuns.
Na era moderna, máquinas e fábricas foram se tornando paulatinamente mais importantes que a terra, e os esforços políticos focaram-se mais no controle desses meios de produção. Se um número excessivo de fábricas se concentrasse em poucas mãos, a sociedade se dividiria entre capitalistas e proletários.
Contudo, no século XXI, segundo análises atuais, os dados irão suplantar tanto a terra como a maquinaria. Os dados passam a ser o ativo mais importante e sedutor. A política será a corrida por controlar o fluxo de dados. Se estes se concentrarem em poucas mãos o gênero humano se dividirá não sei bem em que espécies. O futuro irá se incumbir de classificar.
A corrida para obter dados já começou, liderada por gigantes como Google e Facebook. Eles capturam nossa atenção nos fornecendo gratuitamente informações, serviços, entretenimento. Depois, aproveitam-se disso e vendem nossa atenção aos anunciantes. Esses gigantes de dados podem penetrar nos mais profundos segredos de nossas vidas e depois usar esses conhecimentos para fazer escolhas por nós e nos manipular. Atualmente, mesmo que não se saiba como ganhar dinheiro com dados, vale a pena guardá-los porque futuramente poderá ser a chave para controlar a vida. Esses gigantes de dados estão mais preocupados em acumular dados do que meros dólares ou euros.
Hoje nós cedemos gratuitamente nossos dados e se mais tarde tentarmos bloqueá-los pode ser que isso se torne difícil. E mais: máquinas e humanos poderão fundir-se de tal modo que não seremos capazes de sobreviver desconectados da rede. Será fácil às agências do governo e as corporações conhecer cada um de nós, manipular-nos e tomar decisões por nós.
Quem é o dono desses dados? Já pensou cairmos nas mãos de políticos ou grandes empresas? Neste ano de 2024, a quem você preferiria dar seus dados, a Elon Musk ou a Alexandre de Moraes? Tivemos centenas de anos de experiência de regulamentação de propriedade de terra, mas não temos experiência de como regular a propriedade de dados. E estes estão em toda parte e em parte alguma, e podem ser indefinidamente copiados.
Como regular hoje a propriedade de dados? Como lidar com todos os desafios dessa revolução tecnológica de informação? Talvez cientistas e empresários responsáveis pelas disjunções do mundo atual consigam montar uma solução. Quem sabe Elon Musk ou Mark Zuckerberg poderão convocar uma força extra para juntos fazer alguma coisa? Os desafios não têm precedentes e as discordâncias são imensas. Estaremos condenados a comer nabos indigestos artificialmente produzidos? Se mantivermos nossos temores sob controle e formos mais humildes, talvez o ser humano se mostre à altura do momento. Ou será que o vento vai levar também essa era como já levou outras mais?