Com mais fidelidade e número de dados que nós, jornalistas e vítimas do Rio Grande do Sul vêm narrando e comentando sobre essa tragédia. Nós contamos apenas com dados colhidos e enviados pelos meios de comunicação, mas já é possível observar abusos e absurdos sobejando no palco dessa catástrofe.
Segundo alguns informes, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul chegou a bloquear inúmeros caminhões abarrotados de mantimentos e outros itens de ajuda por não portarem nota fiscal. Nem é preciso comentar a insanidade da medida que logo foi anulada, licenciando esses caminhões, que, de partes até longínquas, levavam auxílio às vítimas. Nessas mesmas circunstâncias de confusão e desconforto, o Governo do Estado pedia pix à população que estava fazendo o que era obrigação dele fazer. Infelizmente, outros absurdos foram ocorrendo, à medida que a tragédia se intensificava. Cerca de mil presos foram transferidos, enquanto nove crianças morriam carentes por socorro que não chegava. Numa hora dessas destas, não se pode barganhar questões prioritárias.
Está claro que o governo errou muito, o que é até desculpável diante do tamanho da tragédia e da forma estonteante como chegou a todos. Mas, o governador nunca poderia ter dito, logo aos primeiros sinais — quando pipocavam um drama num município e uma desgraça em outro —, que não dispunha de meios para atender a todos os munícipes. É de supor-se o atordoamento com que a população desses centros mais afastados geograficamente do poder ouviu a notícia da impotência alardeada pelo próprio governador.
Outro fato a censurar é a circulação de notícias de verdadeiro terrorismo. Um jornalista, cobrindo o sinistro, associou a calamidade à grande produção de arroz do Rio Grande. Em seguida, arrematou que estava na hora de estocar esse alimento. Como era de esperar-se, esse inoportuno comentário já está provocando a escassez do produto em alguns lugares. Está na hora de dizer como Maria Antonieta com os brioches, mas sem a deselegância e maldade da imperatriz, que se não temos arroz, graças a Deus temos uma fartura grande de alimentos que pode substituir esse cereal.
Um péssimo traço de caráter, que sempre ocorre nesses períodos de confusão e tropeços, foi o comportamento de torcedores de um grande time de futebol de São Paulo. Em nome dessa agremiação, exigiu-se que fosse apagado o verde da bandeira que levava alimentos para o Rio Grande, sob a condição de cortar as contribuições caso seu ultimato não fosse atendido. Atitudes como esta são reflexos visíveis do que corre nas veias e no coração de certas greis. Quem priorizará um partido político, um time de futebol, a liderança deste ou daquele candidato numa hora desta, a não ser classes e pessoas fanáticas, pobres de espírito ou carentes de educação?
Não sei se abuso, absurdo, ou ambas as coisas, também ocorreu na sede de uma grande agremiação de futebol da capital do Rio Grande, que mostrava pessoas atropelando o interior da sede, afanando quantidade enorme de camisas, calções e outro tanto de material futebolístico, num acinte inominável à ética e boa conduta. Mas, os saques e ataques vandálicos não pararam aí. Ouve roubos até mesmo a postos de alimentos e víveres estocados para as vítimas da inundação.
A raciocinarmos sem ilusão, mais absurdos e abusos continuarão a ocorrer, porque essa tragédia tem rastros duradouros. Que Deus ilumine a mente dos menos esclarecidos e revigore o denodo de todos os que, de mangas e corações arregaçados, continuam batalhando pelo soerguimento de nossos irmãos gaúchos.