Falamos tanto em liberdade, em livre arbítrio, prezamos tanto nosso ponto de vista, mas, por baixo disso tudo sequer percebemos que estamos sendo manipulados das mais diversas formas. Como tomamos decisões? Acaso já passou pela nossa cabeça que estamos sendo vigiados?
Ninguém, melhor que eu, está preocupado com isso. E ninguém, melhor que eu, sabe que tais receios são em vão. Não há mais como escapar da manipulação. Entendo pouco dessa pressão que estamos sofrendo e, quanto mais tento saber sobre esse massacre tecnológico, mais me encolho na minha insignificância. Ninguém está em condições de saber se estamos à beira de uma histeria ou se realmente já começamos a tropeçar numa quase convulsão social. Será que a automação causará desemprego em massa? É esperar para ver? E aí não será tarde demais?
Nós temos dois tipos de habilidades — as físicas e as cognitivas. Antigamente, as máquinas competiam conosco em habilidades físicas, mas nos mantínhamos à frente em habilidades cognitivas. Entretanto, atualmente a IA vai nos superando nessas habilidades, inclusive até na de compreender nossas emoções. A IA parece não se contentar em apenas tornar os computadores mais rápidos e eficientes. Ela avança até nas ciências humanas.
Nos últimos tempos, vem-se constatando que nossas escolhas, desde comida até mesmo parceiros sexuais, não resultam mais de livre-arbítrio, mas sim de bilhões de neurônios que calculam probabilidades em uma fração de segundo. A IA pode superar o desempenho humano até mesmo em tarefas que supostamente exigem "intuição".
O desempenho da IA em tarefas que demandam intuições chega a ser assustador. Muitas atitudes humanas supõem emoções e desejos. Será que aquele garoto vai atravessar a rua? Será que aquele advogado vai cumprir sua ameaça ou está blefando? Será que aquele cara vai pegar meu dinheiro e sumir? Como um computador poderá compreender essas emoções e desejos que parecem tão imateriais? Tais atitudes nada mais são que algoritmos bioquímicos e, portanto, os computadores têm, sim, condições de decifrarem esses algoritmos até certo ponto melhor do que qualquer indivíduo.
O pai que tenta prever as intenções do garoto de atravessar ou não a rua; o advogado, que é sensível ao humor reinante na sala de negociação; o cara que vai ou não dar o pinote — o cérebro de todos eles está reconhecendo padrões bioquímicos ao analisar expressões faciais, tons de voz, movimentos das mãos e até mesmo suores corporais etc. Uma IA equipada com sensores certos poderia fazer tudo isso com muito mais precisão e confiabilidade do que um ser humano. Por isso, os resultados da análise não resultariam apenas da ascensão da tecnologia da informação, mas da confluência com a biotecnologia. Há quem diga que os neurocientistas estão reconhecendo que o que eles estão aprendendo sobre a amigdala e o cérebro poderá permitir que computadores superem psiquiatras e guarda-costas humanos em 2050.
O que temos lido sobre IA, sobre algoritmos correlatos à vida humana não são animadores, mas não queremos assustar ninguém. Entendemos pouco e mal sobre o assunto. No entanto, a perda de controle sobre nossa vida é um cenário assustador. O perigo do desemprego em massa, a transferência de autoridade de humanos para algoritmos, a destruição da narrativa liberal, a abertura de caminho para ditaduras digitais, tudo isso são probabilidades. Se fosse "apenas" isso... é provável que seja pior.
Fiquemos com a as palavras de Noah Harari, mais sensatas: para evitar resultados catastróficos, para cada dólar e um minuto investido no desenvolvimento da IA, seria mais prudente investir um dólar e um minuto em avançar a consciência humana. Infelizmente, como não é o que está acontecendo, o futuro permanece uma incógnita.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP