Bordando a vida

Por Jornal Cidade de Agudos em 05/02/2025 às 10:39:39

Meu filho ainda menino, creio que tinha uns 12 anos, olhou bem dentro dos meus olhos após uma longa reclamação ou lá das minhas sessões de nostalgia bem piegas, e disse firme. Mãe, para… "e se não existe" … Nossa , carrego esse "e se não existe" até hoje. Mas me pego devaneando sobre esses muitos "e ses" que insistem em povoar a minha mente e o meu coração. Ai fico divagando…

E se eu pudesse cerzir os erros, como quem costura um tecido desfiado, unindo com delicadeza os fios que o tempo desfez. Quantas rasgaduras da alma poderíamos reparar, quantas palavras mal ditas poderíamos recolher, como agulhas que buscam o ponto exato para refazer o caminho. Mas o tempo, esse costureiro impiedoso, não permite remendos. Ele apenas segue, cortando o tecido da vida em pedaços que nunca mais se juntam, deixando-nos com as mãos cheias de retalhos de arrependimento.

E se eu pudesse dar uma alinhavada no tempo, desacelerando as horas que insistem em correr como rios desembocando no mar? Talvez então revisitasse os instantes que passaram rápido demais, aqueles em que não soube dizer "eu te amo" ou "perdão". Mas o tempo não tem costuras, não tem dobras onde possamos nos esconder. Ele é um tecido liso, esticado, que não permite voltas. E nós,ficamos a imaginar como seria bordar flores sobre a saudade, as mágoas, as frustrações transformando-as em algo menos árido, menos dolorido.

Ah, como seria bordar, em cima da saudade, lindos ramos floridos, castelos e um sol dourado sobre as campinas verdejantes e frescas enfeitando-a com cores que não fossem apenas o cinza da ausência. Cada pétala seria uma lembrança doce, um riso compartilhado, um abraço que não se apaga. Mas o que passou, insiste em ser o que é: um vazio, um não feito ou mal feito, que não se preenche com agulhas e linhas, por mais finas que sejam. E a vida segue como essa tapeçaria bordada de encontros e desencontros, desafios que nunca terminam, sempre faltando um ponto, sempre deixando um fio solto.

E se eu pudesse, costurar com ponto bem miúdo nas doces lembranças, unindo-as como quem faz um colcha de retalhos, aquecendo o coração nos dias frios? Sempre costuro! E fico admirando, mas as lembranças, por mais doces que sejam, são frágeis. Desfazem-se ao menor toque, como tecidos antigos que não suportam mais a pressão da agulha. E assim, seguimos, com nossos dedos desejando costurar o que o tempo insiste em rasgar, sabendo que, no fim, o que nos resta é apenas o ato de tentar, de divagar. Sigamos com desejos de bordar flores e jardins, lagos cristalinos bem azuis e sois dourados.

Prazer, sou Vera Lúcia Ravagnani, eu conto histórias e ajudo pessoas a contarem suas próprias histórias em verso ou prosa por meio de cursos de escrita criativa e contoterapia.

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