Em 1908, nascia na Bélgica Claude Lévi-Strauss, vindo a ser mais tarde um homem de extensa obra e larga erudição. Suas ideias, desenvolvidas em grande parte no Brasil, foram um marco no campo das ciências sociais. Aos 36 anos, convidado pela Faculdade de São Paulo para lecionar Sociologia, aí ratificou sua vocação de antropólogo. Nessa oportunidade, fez expedições em tribos brasileiras e da Amazônia. Ao escrever um livro de leitura agradável, ao mesmo tempo que de alto teor científico, intitulado De perto e de longe, explicitou parte de seus conceitos até então pouco divulgados. Veio a falecer em 2009, influenciando largamente o pensamento de o século XX e ainda hoje o século XXI.
Lévi-Strauss foi um incansável estudioso da alma dos povos primitivos a quem dedicava um olhar semelhante ao dos povos mais próximos. Ao mesmo tempo, rejeitava a ideia de que povos não-ocidentais fossem considerados como atrasados ou primitivos. Seus estudos cobriam tribos e nações de todas as épocas a quem conferia a mesma importância. "Nada pode autorizar uma cultura a destruir, tampouco oprimir, uma outra."
Talvez um aspecto pouco comentado da obra desse homem extraordinário seja concernente à moral e aos bons costumes. Nunca devemos nos esquecer que, além de antropólogo, ele foi também um moralista — sem o sentido pejorativo que muitos atribuem ao termo — enfatizando a premissa de que o cosmo e o homem no universo ultrapassam e sempre ultrapassarão nossa compreensão. Apesar de reconhecer a limitada inteligência e a significativa pequenez humanas, mesmo assim ele sublinha as responsabilidades de cada um. E como nos dias atuais nós brasileiros estamos vivendo um período de crise moral, de confusão entre o lícito e o ilícito, nada melhor que admitir, como ele propõe, nossa responsabilidade de ser humano como parte da realidade.
"Se queremos dar oportunidade a um humanismo moderado é preciso que o homem modere sua vaidade pueril e se convença de que sua passagem pela terra — o que, seja como for, terá um fim — não lhe confere todos os direitos." Excelente conselho para um Brasil de governantes de ego inflado, dominados por uma vaidade infantil que, acreditando ter nas mãos um poder indiscutível, obriga a todos obedecer sem lhes permitir arrazoar.
Em outro local de seu livro, continua defendendo, mas com ressalvas, a unicidade do ser humano. "Cada ser humano foi, é e sempre será único, concordo. Mas, com relação a isso, o homem nâo se distingue de outros seres vivos, mesmo os mais insignificantes, que são também únicos como indivíduos, e que ele acha que não é obrigado a respeitar. A ciência não abriga uma moralzinha tacanha para nosso uso particular."
Veja bem, ele estabelece uma hierarquia e nos incita a respeitar o mundo vivo, mostrando que cada um no cosmo tem seu papel. "Nada pode autorizar uma cultura destruir outra, tampouco oprimir outra."
Eis porque Lévi-Strauss deveria servir-nos como guia, numa época em que nos tiram a cada dia mais o direito de pensar, de expor opiniões próprias. Estão nos roubando direitos fundamentais, e isso é grave. "A partir do momento em que o homem não conhece mais os limites de seu poder, ele acaba por destruir-se", diz o filósofo belga. Esse rempli de soi-même, essa empáfia que tem levado alguns de nossos juristas e políticos a legislar e governar em causa própria, está solapando nossa democracia, sufocando o povo amedrontado de expor sua vontade. Como entende Lévi-Strauss e muitos pensadores mais alinhados com a hierarquia do cosmo, tudo porque uma parte dos indivíduos não se enxerga como pequena fração do Todo; de forma vaidosa e arrogante julgam-se inatacáveis, com o poder de comando, e dentro dessa ilusão caminham para a desordem.
É o próprio Lévi-Strauss quem cita Montherlant: "Os jovens não precisam de mestre intelectual, mas de um mestre de conduta". Sim, é disso que também precisamos, de "um mestre de conduta" e ninguém melhor do que o humanista Lévi-Strauss. O mundo, o Brasil necessitam de pensadores alinhados com a realidade de que somos os únicos capazes de assumir nossas condições de autoaperfeiçoamento. Melhorar o mundo depende cada um de nós. Não há para onde fugir.