Estive relendo algumas anotações sobre amor-próprio, contidas num livro de Bauman, esse autor polonês tão comentado e discutido. Mas, como fazia tempo que não me dedicava à releitura de um livro dele, ao me acercar de novo de uma obra sua, tive a oportunidade de relembrar como esse cara é fenomenal. Não é minha intenção falar sobre a vida dele, nesta oportunidade, algo que já fiz em artigos escritos há um bocado de anos. Hoje vou apenas recordar alguns pensamentos originais, algumas ideias modernas desse autor que todo leitor que não quer perder o bonde da história deveria conhecer.
O que significa amor-próprio? O que eu amo em mim mesmo? O amor-próprio estimula-nos a agarrarmo-nos à vida, a tentar a todo custo permanecer vivos, a resistir e enfrentar o que quer que ameace pôr fim à nossa vida de modo prematuro ou abrupto, ou, melhor ainda, a melhorar nosso vigor e aptidão física para tornar efetiva essa resistência. Nisso, nossos primos animais são mestres experientes, não menos que os mais dedicados e habilidosos viciados em ginástica e maníacos por saúde. Nossos primos animais não precisam de especialistas para lhes dizer como se manterem vivos e em forma. Tampouco precisam do amor-próprio para lhes ensinar que se manter vivo e em forma é a coisa certa a fazer.
A sobrevivência animal, física, corpórea pode viver sem o amor-próprio. Para falar a verdade, pode acontecer melhor sem ele do que em sua companhia! Os caminhos dos instintos de sobrevivência e do amor-próprio podem correr paralelamente, mas também em direções opostas... O amor-próprio pode rebelar-se contra a continuação da vida. Ele nos estimula a convidar o perigo e a dar boas-vindas à ameaça. Pode nos levar a rejeitar uma vida que não se ajusta a nossos padrões e que, portanto, não vale a pena ser vivida.
Pois, o que amamos em nosso amor-próprio são os eus apropriados para serem amados. O que amamos é o estado, ou a esperança de sermos amados. De sermos objetos dignos de amor, sermos reconhecidos como tais e recebermos a prova desse reconhecimento.
Em suma, para termos amor-próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor alimenta a autoaversão. O amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros. Sabemos não ser um equívoco que somos apreciados e amados. Pois, não somos ouvidos e respeitados? O que pensamos, fazemos ou pretendemos fazer não é levado em consideração por grande parte das pessoas? Se os outros me respeitam deve haver algo em mim que só eu lhes posso oferecer. Outros devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos.
Eis aí algumas ideias de Bauman que talvez nunca tenham sido elaboradas pela maioria das pessoas. Pense um pouco sobre a maneira como ele coloca o pensamento dele sobre coisas tão corriqueiras, que talvez nunca tenha tido, através dos anos, um enfoque tão meridiano e ao mesmo tempo tão significativo. A modernidade líquida em que vivemos traz, segundo ele, uma fragilidade aos laços humanos. A insegurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos. Voltaremos ao assunto oportunamente.
Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP