INSENSIBILIDADE MORAL

Por Jornal Cidade de Agudos em 29/08/2024 às 13:16:20

Mal temos tempo de pôr a cabeça no travesseiro e dirimir dúvidas, lá vem outro acontecimento doloroso tirar nosso sono e colocar-nos, de novo, diante de mais e mais preocupações. Bem se diz que esse mundo não passa de um caldeirão de maldades, dúvidas e inconsequências. Logo após um fato acachapante lá vem outro mostrar que quem está vivo não tem o direito de dormir tranquilo por muito tempo.

Nossa pequena cidade, não há muito tempo, foi alvo de tríplice assassinato que tirou a vida de pessoas honradas e dignas. Fato que perturbou os moradores, alertou para a insensibilidade moral, colocou em dúvida a crença na bondade humana. Como se isso não bastasse, nossa vizinha Bauru agora também deixa-se entorpecer por outro crime que leva a crer tratar-se de mais uma monstruosidade.

Quem assassinou os três moradores de Agudos? Quem deu sumiço na funcionária de Bauru? Até mesmo sobre aquele tríplice assassinato ainda pairam dúvidas, pelo menos para quem escreve estas linhas. Não é demais admitir que, por mais que autoridades tentem, centenas de crimes jamais serão esclarecidos. E daí? Bandidos continuarão matando, os crimes acabarão caindo no olvido, você também se esquecerá deles e a vida seguirá indiferente e implacável.

O homem é um ser paradoxal. Para o filósofo Blaise Pascal o ser humano não passa de um junco pensante, o mais fraco da natureza. Junco é o quê? é mato que nasce nos caminhos úmidos. Não passamos disso, de um caniço pensante! Não é preciso imaginar muita coisa para destruir ou esmagar um homem. E é esse ser frágil que sabe que, assim como mata, destrói, também pode ser destruído com um leve sopro.

Quem é, então, esse ser que, por nada, atenta sobre a vida do semelhante? Qual a razão dessa meia dúzia de moleques assassinos levantar-se contra outros homens, matar com requintes de crueldade? Será que é essa fragilidade, essa pequenez que o faz assim tão inconsequente? Por saber-se não passar de um fragmento, de um mero caniço pensante? Por saber que a morte é o fim de tudo? Só pode ser isso, só pode ser a admissão de sua própria impotência que o faz, assim, tão atrevido e inconsequente. Por ser tão frágil, acaba criando artimanhas para iludir sua finitude. Dentro desse vazio, ele tropeça no próprio abismo em que vive e sai por aí às tontas, querendo fazer valer uma falsa onipotência.

É preciso, porém, admitir que muitos filósofos como o próprio Pascal nunca abandonaram o homem. Nós também não deveríamos fazê-lo. Embora o universo nos esmague, continuaremos a ser mais nobres que a morte. O homem é feito para pensar, aí reside toda sua dignidade e mérito. Conhecemos a superioridade que o universo tem sobre nós, mas o universo jamais conhecerá isso. Nossa dignidade está em nosso pensamento.

Apesar de todas as mazelas, o homem não pode desistir do homem. Seja ele o frio assassino da funcionária, o pivete inconsequente da tríplice matança ou o medalhista olímpico, o incomparável pacifista. Agasalhamos misérias e grandezas, glórias e fracassos. É a maldade, o excesso de ambição, a concupiscência que nos transformam em fera. Assim deveremos ver-nos ... "ni ange ni bête." O homem será sempre grande na medida em que se reconhecer miserável.

Dra. Maria da Glória De Rosa
Pedagoga, Jornalista, Advogada
Profª. assistente doutora aposentada da UNESP
Anuncie
anuncie aqui