Quando o se fala em tolerância vem-nos logo à cabeça o terreno religioso. Isso é natural porque essa ideia nasceu no campo das controvérsias religiosas. Falaremos aqui de uma forma generalizada de tolerância, seja no campo religioso, seja no terreno das controvérsias políticas. Podemos ter tolerância para com o erro. Nesse caso, não poderíamos dizer que a tolerância é uma virtude. No exemplo citado, a tolerância poderá revelar fraqueza. Suponhamos que uma pessoa esteja errada e por comodismo ou falsa amizade, uma outra pessoa tolere, por pura pusilanimidade, o erro do outro.
A intolerância contraria a tolerância quando, por exemplo, vai de encontro a uma verdade absoluta que não admite objeções teoréticas. Assim não é sempre negativa a intolerância que se contrapõe á tolerância negativa, à tolerância do cético. É muito difícil distingui-las, mas devemos sempre procurar fazer essas separações.
Afinal, devemos persuadir as pessoas a serem tolerantes ou a moral abre brechas para que sejamos até exigentes, se for o caso, com quem se recusa a praticar a tolerância? Estamos pisando num terreno muito movediço e escorregadio. O problema pode ser posto nestes termos: a tolerância tem limites? E se tem limites onde devem ser postas as fronteiras?
Temos de reconhecer que doutrinas opostas têm o direito de conviver. A exigência da tolerância nasce quando se toma consciência da irredutibilidade de opiniões e da necessidade de encontrar-se uma maneira ou uma possibilidade de convivência entre ambas. Fácil não é e nós brasileiros, no momento em que vivemos, estamos sendo esmagados por correntes contrárias que não cedem aos apelos de tolerância venham de onde vierem. Se é persecutória e repressiva a intolerância da esquerda, não se vê porque não seja persecutória, pelas mesmas razões, a tolerância que o lado oposto aprova. Excluir da tolerância certas ideias com base na distinção entre ideias de esquerda e de direita é no mínimo perigoso.
Para Bobbio, o único critério com base no qual se pode considerar lícita uma limitação da regra da tolerância é o que está implícito na própria ideia da tolerância que se pode formular brevememte assim: todas as ideias devem ser toleradas, menos aquelas que negam a ideia mesma da tolerância. Para facilitar a compreensão, poderíamos apresentar a situação nos seguintes termos: os intolerantes devem ser tolerados?
Como existem gradações de intolerância, quem acredita na bondade da intolerância acredita na sua fecundidade e julga que não é a perseguição que leva o intolerante a aceitar a tolerância, mas o reconhecimento de se exprimir. Não é certeza que o intolerante uma vez recolhido no recinto da liberdade compreenda o valor ético do respeito pelas ideias alheias. Num exercício de compreensão, suponhamos que se recolha um esquerdista com a esperança de que se torne um liberal, de ideias respeitosas à posição do opositor. No Brasil, você poderá trancar um petista numa cela e tentar doutriná-lo durante longo tempo. Duvido que conseguirá êxito. O mesmo se pode dizer de um seu opositor. A escolha entre duas atitudes é uma escolha última, e como todas as escolhas últimas não tem como ser sustentada apenas com argumentos racionais. Existem situações históricas que podem, muitas vezes, ajudar ou favorecer ora uma, ora outra atitude.
A tolerância implica o uso da persuasão perante aqueles que pensam diferente de nós. O método da imposição não funciona nesses casos. Bobbio acredita que, deste ponto de vista, o laicismo é um dos componentes do mundo moderno, que até mesmo as religiões acabaram por aceitar. Nossa época é de crise de valores. Ninguém tem dados suficientes. Hoje vivemos aterrorizados pela difusão da violência. É Bobbio quem afirma: todo juízo excessivamente resoluto corre o risco de parecer leviano.